O fechamento de casas de câmbio e de remessas internacionais durante a pandemia levou imigrantes latinoamericanos que moram fora de seus países a adotar criptomoedas para enviar dinheiro para suas famílias, como revela uma extensa reportagem do portal Rest of the World.

A matéria ouviu uma série de imigrantes que contam como foram levados ao criptomercado para driblar a impossibilidade de enviar remessas de dinheiro durante a pandemia.

Um número crescente de imigrantes que trabalham distantes da terra natal tem migrado para o mercado de criptomoeda em busca de mais eficiência e privacidade, eliminando os intermediários para o envio de dinheiro entre fronteiras.

Entre eles, há um traço em comum: não são grandes entusiastas de tecnologia ou grandes investidores, mas formam uma classe trabalhadora estrangeira que tenta uma vida melhor fora de países em crise.

Maria Salgado, natural de Oaxaca, México, é um destes casos. Ela migrou para Los Angeles, Estados Unidos, em 1996, para trabalhar na fábrica da marca esportiva American Apparell, onde permaneceu por 24 anos.

No período, aproveitou para juntar dinheiro para criar sua família nos EUA e enviar parte do salário para o México, onde o restante da família sofria com a desvalorização do peso, a moeda nacional, e sua irmã precisava arcar com despesas e os problemas físicos de uma doença nos rins.

"Sem o dinheiro que eu mandei para ela, tenho certeza que minha irmã não estaria conosco hoje", ela comenta.

O primeiro contato com o criptomercado foi através de colegas de trabalho e propagandas no Facebook, mas como acontece muitas vezes ela acreditava que tudo não passava de uma fraude. A chave virou e ela começou a se interessar pelo mercado em 2017, quando mais amigos passaram a falar sobre o mercado cripto, o que captou sua atenção:

"Eu percebi que estávamos todos lutando pela mesma causa: ter uma vida melhor"

Por isso, ela percebeu que muitos imigrantes começaram a migrar de grandes empresas de remessas, como Western Union, MoneyGram ou Vigo, para plataformas de criptomoedas que oferecem taxas de comissão muito menores do que casas de câmbio e remessas.

Ela então entrou em contato com a irmã e ensinou-a a instalar uma carteira cripto no smartphone, permitindo que ela recebesse os valores em criptomoedas, liquidasse e transferisse o montante para seu banco local em poucos minutos.

O economista mexicano Jesus Cervantes González, do Center for Latin American Monetary Studies, destaca que a pandemia foi mais um catalisador para que imigrantes buscassem alternativas digitais para enviar dinheiro para suas famílias, já que uma série de casas de câmbio tiveram de fechar as portas pelas restrições da pandemia.

Nos Estados Unidos, com a pandemia se espalhando, outro problema também entrou na vida dos latinoamericanos do país: o desemprego, que foi de 4,8% antes da pandemia para 18,5% em abril de 2020 entre os latinos que vivem no país. O auxílio emergencial do governo Trump ajudou os imigrantes a sobreviver nos Estados Unidos e ainda ajudar suas famílias, já que o governo mexicano não propôs nenhum auxílio econômico à população durante a crise.

Na América Latina, imigrantes e a população local também buscaram o mercado de criptomoedas para remessas de criptomoedas entre fronteiras. O exemplo mais claro é a Venezuela, que fechou 2020 com inflação anual de 6.500%.

Apesar das sanções econômica se restrição de moedas estrangeiras do país, o mercado cripto também tem espaço no país. Segundo Alberto Alarcón, que vive em Maracay, muitos venezuelanos compram criptomoedas através de remessas, o que levou o criptoinvestidor a criar uma exchange baseada no país, a BitcoinBall.

A BitcoinBall serve de plataforma para 5 milhões de venezuelanos que vivem no exterior e que desejam enviar dinheiro para casa, especialmente para imigrandes que vivem na vizinha Colômbia.

“Hoje é muito melhor manter seu dinheiro em criptomoeda, já que nossa moeda local, o bolívar, se desvalorizou [em média] entre 10% e 20% a cada mês"

De volta ao México, a exchange Bitso, a maior da América Central e que recentemente chegou ao Brasil, mostra nos números o crescimento de clientes interessados em usar criptomoedas para remessa de valores.

Com mais de um milhão de clientes na América Latina, a Bitso ajudou os mexicanos nos Estados Unidos a enviarem parte de um montante mais de US$ 40 bilhões para suas famílias do outro lado da fronteira. A exchange já processa 2,5% de todas as remessas que entram no México.

A exchange mexicana chegou a realizar testes ainda mais sérios ao instalar um ATM em Illinois, uma cidade norte-americana conhecida pela grande comunidade mexicana, para permitir que os imigrantes recebessem e enviassem dinheiro para o México usando o app de mensagens WhatsApp.

Apesar disso, a mexicana Maria Salgado diz que vale a pena superar o "pavor" das inovações tecnológicas e compreender o criptomercado como uma forma de empoderamento econômico, para além de ser apenas uma ferramenta financeira. Hoje, ela trabalha com o que ela chama de uma "rede de marketing" com criptomoedas, passando de cética para entusiasta dos criptoativos:

“Eu precisava voar como uma águia e sair dessa zona de conforto. Percebi que nunca chegaria a lugar nenhum ganhando um salário mínimo.”

Um estudo recente do Fórum Econômico Mundial mostrou a adoção de remessas digitais pode impulsionar o desenvolvimento sustentável, além de economizar dinheiro com taxas mais baixas. Resta saber como os governos vão abordar os problemas inerentes a este mercado, como a falta de regulamentação, volatilidade, uso de energia e a entrada de "falsos gurus" que tentam aproveitar o desconhecimento de parte desta população.

 

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