Em uma entrevista ao Cointelegraph Brasil, em El Salvador, o CEO da Tether, Paolo Ardoino, criticou as novas regras propostas pelo Banco Central do Brasil para stablecoins (Consulta Pública 111) e alertou sobre os riscos de restrições excessivas.
"É muito melhor para o país trabalhar com o povo e garantir a liberdade de escolha", afirmou Ardoino durante a Plan B Conference, organizada pela Bitfinex, com apoio da SmartPay e Truther..
As novas regulamentações do Banco Central brasileiro foram comparadas às regras da União Europeia sob o MiCA (Markets in Crypto-Assets), que impõem exigências rígidas aos emissores de stablecoins. Ardoino destacou que essas medidas podem prejudicar a economia ao forçar o dinheiro para fora do sistema regulado.
"Se o governo tentar ter controle total sobre o dinheiro das pessoas, elas vão buscar alternativas", alertou.
Outro ponto de preocupação levantado pelo CEO da Tether é a restrição de transferências de stablecoins para carteiras como externas, como o Metamask. "Isso limita a autonomia dos usuários e pode incentivar uma economia paralela, algo muito prejudicial", argumentou. Ele citou o caso da Itália, onde a alta regulação resultou em um grande mercado informal.
O executivo mencionou o colapso do Silicon Valley Bank em 2023 como um exemplo dos perigos da obrigatoriedade de manter grandes quantidades de dinheiro não segurado em bancos.
"Se você tem um resgate de bilhões de dólares e o banco não tem liquidez, ele pode falir. Isso é um risco sistêmico", explicou.
Paolo Ardoino também criticou a implantação de Moedas Digitais de Banco Central (CBDCs), argumentando que elas podem comprometer a privacidade dos cidadãos.
"Com CBDCs, cada transação será monitorada pelo governo. Isso é um risco enorme para a liberdade financeira", alertou.
Ele reforçou que a melhor abordagem para o Brasil é permitir um ambiente regulatório que incentive o crescimento econômico. "Devemos dar espaço à inovação, assim como El Salvador fez, ao invés de criar barreiras desnecessárias", disse.
Confira a entrevista completa
Tether e o Brasil
Cointelegraph Brasil (CTBR): E com relação ao Brasil tem acompanhado as propostas de regulamentação do Banco Central?
Paolo Ardoino (PA): Temos 80% do mercado no Brasil, e esse percentual é provavelmente maior do que em outros países. Por isso, fomos convidados a participar das discussões com os reguladores. Aceitamos essa oportunidade de bom grado e estamos contribuindo com nosso conhecimento nesse debate.
Acredito que é um erro impedir que as pessoas tenham controle sobre seu próprio dinheiro. Sempre haverá resistência contra esse tipo de restrição. Se um governo tentar impor um sistema completamente controlado pelo Estado, as pessoas inevitavelmente buscarão maneiras de escapar desse controle.
O melhor caminho para um país é trabalhar em conjunto com a população, garantindo liberdade de escolha. Dessa forma, o dinheiro continua circulando dentro da economia formal. Se um sistema for criado para que o governo tenha controle absoluto sobre os recursos financeiros das pessoas, o resultado será uma grande evasão de dinheiro do sistema oficial—e isso é extremamente prejudicial para a economia.
Quando isso acontece, surgem economias paralelas, que podem desestabilizar o país. A Itália é um exemplo disso, e os impactos desse fenômeno são muito negativos.
Tether cresceu pois o sistema está falido
CTBR: De 2015 quando a Tether nasceu, até agora, como você vê esta jornada?
PA: É simplesmente inacreditável. Se você me perguntasse em 2015 qual era o maior valor que eu poderia imaginar, eu diria que, se chegássemos a 100 milhões de dólares, o produto já seria um sucesso. Agora, dez anos depois, estamos em US$ 139 bilhões.
Isso me deixa empolgado, mas, ao mesmo tempo, esse crescimento reflete um problema muito maior. Esse gráfico não é apenas um sinal de sucesso do Tether, mas um sintoma do mal-estar global. Ele mostra que o mundo não está caminhando para um lugar melhor.
De certa forma, o Tether só se tornou tão bem-sucedido porque o sistema financeiro tradicional está falido. Se o sistema financeiro funcionasse corretamente—e se, no futuro, ele passasse a operar de maneira eficiente—esse gráfico cairia. Matematicamente, isso aconteceria se os governos e as instituições financeiras fizessem um trabalho melhor em manter suas economias estáveis e seguras. Mas, sinceramente, não acredito que isso vá acontecer.
Esse crescimento massivo ocorre porque países como Argentina e Turquia enfrentam inflação extremamente alta, assim como muitos países africanos. Nos últimos quatro ou cinco anos, vimos um aumento significativo na demanda por Tether em países como Vietnã e Venezuela, onde a desvalorização das moedas nacionais tem sido brutal.
Quando a inflação destrói o valor da moeda local, as pessoas procuram alternativas para proteger seu dinheiro e suas famílias. Para muitas delas, o USDT virou uma conta poupança, uma forma segura de preservar valor sem precisar especular com Bitcoin ou outros ativos voláteis. A simples troca de sua moeda local pelo dólar já representa um enorme ganho financeiro para essas pessoas.
Esse gráfico, portanto, é uma evidência clara de que o mundo está se deteriorando economicamente. Se, por um milagre, as coisas melhorassem, seria como a última pergunta de um concurso de beleza: "O que você deseja para o mundo?"—e a resposta seria: "Que todos fiquem bem e ricos."
Se isso acontecesse, não haveria necessidade de USDT, pois tudo funcionaria corretamente. Mas a realidade é que provavelmente sempre precisaremos do USDT—porque, no final das contas, somos humanos e os problemas econômicos sempre existirão.
CBDCs
CTBR: E com relação a orde de Trump de banir CBDCs, isso é positivo... pois o resto do mundo continua trabalhando em CBDCs...
PA: Os Estados Unidos já possuem os melhores veículos financeiros em moeda fiduciária do mundo. No entanto, seu sistema financeiro digital ainda não é o melhor—embora haja muitas oportunidades nessa área.
Nos EUA, as pessoas têm inúmeras formas de pagamento: Venmo, PayPal, CashApp, Zelle, transferências bancárias, cartões de débito, cartões de crédito e muito mais. Se você é americano, seu último problema será "como posso pagar um amigo?", pois há centenas de opções disponíveis. Mas, por outro lado, existem três bilhões de pessoas no mundo que não têm nenhuma alternativa para fazer pagamentos.
Os EUA já possuem uma infraestrutura financeira sólida para transações em dólares. Há inúmeras empresas privadas competindo para fornecer as melhores soluções, softwares e ferramentas de pagamento. Isso já funciona bem. Tentar "mexer nesse sistema" para implantar um CBDC (Moeda Digital do Banco Central) é extremamente arriscado, pois pode abrir um precedente perigoso.
A introdução de um CBDC pode prejudicar os bancos locais, como já acontece na Europa, ou trazer consequências econômicas imprevisíveis. É muito mais seguro deixar que as empresas privadas continuem liderando essa inovação, como sempre fizeram. Aliás, gosto muito do sistema bancário do Brasil, que é uma abordagem inteligente para pagamentos digitais. Mas, pessoalmente, não vejo um CBDC como uma solução viável em quase nenhum lugar. Essa ideia é uma verdadeira "ladeira escorregadia".
O problema dos CBDCs e a privacidade
Hoje, sempre que você faz um pagamento com cartão de crédito, PIX ou qualquer outro método digital, a transação fica entre você e o banco ou a instituição financeira responsável. Se houver alguma atividade criminosa, o governo pode solicitar uma intimação para obter informações sobre a transação, mas, em geral, seus dados permanecem privados.
Agora, com um CBDC, isso mudaria completamente. Pela primeira vez na história, cada pagamento que você fizer—até mesmo um simples café—será diretamente registrado pelo governo. Isso significa que o governo poderia rastrear sua localização em tempo real e entender todos os seus hábitos de consumo e interesses.
Isso é extremamente preocupante porque cria um sistema de vigilância financeira sem precedentes—e ironicamente, é exatamente isso que o Ocidente sempre acusou a China de fazer. No entanto, agora estamos caminhando na mesma direção.
Os governos afirmam que esses sistemas terão "privacidade embutida", mas a realidade é que a privacidade estará garantida apenas para eles, não para os cidadãos. O Banco Central pode dizer que está desenvolvendo soluções de privacidade, mas sempre haverá brechas para que eles acessem as informações quando quiserem.
Na Europa, por exemplo, dizem que os CBDCs garantirão privacidade, "mas nós poderemos ver tudo"—ou seja, a privacidade do usuário não existirá de fato.
O verdadeiro valor da privacidade
Muitas pessoas dizem: "Não tenho nada a esconder, então não me importo com privacidade." Mas a questão não é essa. O verdadeiro problema é: onde está o limite?
Se você realmente acredita que não tem nada a esconder, então por que não instalaria um microfone em sua casa, permitindo que o governo ouvisse todas as suas conversas com sua família?
Esse é o grande perigo: quando aceitamos pequenas invasões de privacidade, elas se tornam normais. O governo pode avançar um pouco mais a cada vez, as pessoas se adaptam, e, antes que percebam, o controle já foi completamente estabelecido.
Por isso, dinheiro e Estado devem ser entidades separadas. O dinheiro sempre encontra refúgio onde pode sobreviver—como na Suíça ou, mais recentemente, na América Central.
Se você for argentino, por exemplo, já passou por quatro colapsos econômicos nos últimos anos. Como resultado, a população simplesmente perdeu a confiança no sistema financeiro. Talvez agora, com Javier Milei, as coisas mudem, mas quando um país chega a esse ponto, as pessoas deixam de acreditar em qualquer promessa governamental.
El Salvador
CTBR: A Tether mudou sua sede para El Salvador, porque?
PA: Atualmente, está sendo feita uma grande aposta, não necessariamente em nós, mas nos direitos das pessoas. No entanto, eu não enxergaria dessa forma. Quero dizer, agora também sou cidadão aqui, além de ser originalmente italiano. E, pessoalmente, gostaria que essa aposta permanecesse na Europa, mais especificamente na Itália.
Por outro lado, aqui em El Salvador, sinto uma confiança muito maior no potencial e no crescimento do país. Na verdade, isso se estende a toda a região da América Central e do Sul. Talvez, para quem vive aqui, seja difícil perceber essa diferença, mas, visto de fora, o cenário global é marcado por muita instabilidade. Sou bastante pessimista em relação à Europa.
MiCa é mal feita
CTBR: Pessimista com a Europa.... mas a MiCa não foi um avanço?
PA: Bem, a regulação MiCA é uma licença muito mal elaborada. Se você é um emissor de stablecoin, a MiCA exige que 60% dos seus ativos sejam mantidos em depósitos bancários não segurados. Agora, pense no que aconteceu com a Circle e o Silicon Valley Bank em 2023. A Circle tinha um valor de mercado de cerca de 40 bilhões de dólares e mantinha 3,3 bilhões em depósitos no Silicon Valley Bank.
O problema dos bancos é que eles podem emprestar até 90% do seu balanço. Ou seja, se você deposita dinheiro em um banco, 90% desse valor pode ser emprestado a terceiros. Isso é extremamente arriscado e quase levou a Circle à falência. O FDIC e o Fed precisaram intervir para salvar o banco, e, por consequência, a Circle foi resgatada. Mas o banco não foi salvo por causa da Circle e sim porque era o Silicon Valley Bank—se ele quebrasse, toda a indústria de tecnologia do Vale do Silício entraria em colapso. Isso mostra o perigo dessa prática.
Nos Estados Unidos, o seguro para contas bancárias é de apenas 150 mil dólares. Na Europa, o valor é ainda menor: 100 mil euros. Agora, veja o que a MiCA exige dos emissores de stablecoins. Imagine que você tem uma stablecoin com 10 bilhões de euros em capitalização de mercado. A regulamentação exige que 60% disso—ou seja, 6 bilhões de euros—seja mantido em depósitos bancários na Europa. No entanto, esses depósitos só estão segurados até 100 mil euros, tornando a maior parte desse valor essencialmente não segurada.
Além disso, os bancos podem emprestar até 90% desses 6 bilhões, o que significa que 5,4 bilhões de euros seriam distribuídos como empréstimos, deixando apenas 600 milhões em caixa. Se um emissor de stablecoin precisar resgatar 2,5 bilhões de euros, por exemplo, e for ao banco para sacar esse valor, o banco simplesmente não terá liquidez suficiente para atender ao pedido, já que a maior parte do dinheiro foi emprestada. Isso pode levar tanto o banco quanto a stablecoin à falência. Foi exatamente isso que aconteceu com o Silicon Valley Bank.
É por isso que tenho sido um forte crítico da MiCA. Não sou contra regulamentações—muito pelo contrário, apoio regulações que protejam o usuário final. No entanto, essa regulamentação específica cria um risco sistêmico para os bancos. Por isso, estamos negociando com os reguladores para que os emissores de stablecoins possam manter suas reservas 100% em títulos do Tesouro. Atualmente, a Tether já mantém 90% de suas reservas em Treasuries dos EUA e outros ativos de segurança.
Os títulos do Tesouro são de curto prazo, com vencimento em 90 dias, e temos uma conexão direta com o Fed por meio do Cantor Fitzgerald. Isso significa que, se precisarmos resgatar 10, 20 ou até 60 bilhões de dólares, conseguimos fazer isso em um único dia. Com títulos do Tesouro, se um banco falir, os ativos ainda existem e podem ser transferidos para outro banco sem perdas. Mas, se tivermos depósitos em dinheiro, esse valor se torna parte do balanço do banco e pode ser usado para empréstimos.
No geral, essa é uma das razões pelas quais sou pessimista em relação à Europa. Você mencionou a MiCA, e eu realmente acredito que é uma regulamentação mal pensada. Mas, além disso, a Europa tem um histórico de regulamentar tudo antes mesmo de entender e dar espaço para inovação. Regulamentaram a IA, estão regulamentando todos os setores.
Se olharmos para os últimos 10 a 15 anos, o PIB da União Europeia era equivalente ao dos EUA. Hoje, é apenas 50% do PIB americano. Em apenas uma década, a União Europeia perdeu metade da sua relevância econômica em relação aos EUA e outras potências, como a China. Isso é preocupante. Fazer negócios na Europa se tornou extremamente difícil. Eles preferem regular antes de entender, antes de permitir a inovação.
Aqui em El Salvador e na América Latina, a situação é diferente. Vejo muita energia, paixão e pessoas otimistas. Há muitos investimentos chegando a El Salvador e à região como um todo.
Também estou muito otimista com Javier Milei na Argentina. O que ele está tentando fazer é extremamente desafiador, mas também foi desafiador o que Nayib Bukele fez aqui. Acredito que há um enorme potencial de crescimento e investimento na região, e já estou começando a ver isso acontecer.
Bancos na Europa vão explodir
CTBR: Nesta caso El Salvador oferece melhores condições para a Tether então?
PA: Sim, há vários motivos para isso. Em primeiro lugar, como uma seguradora estatal, precisamos de uma licença para operar. Aqui, em El Salvador, essa licença é muito bem estruturada e garante que tenhamos todas as reservas necessárias, além de assegurar que os investimentos sejam feitos de forma responsável, sem o risco de que bancos concedam dinheiro e cheques a seus amigos.
Guarde minhas palavras: na Europa, veremos bancos entrando em colapso. Nos últimos 15 meses, quatro bancos já quebraram nos Estados Unidos—Silicon Valley Bank, Silvergate, Signature Bank e New York Community Bank—além do Credit Suisse na Suíça.
Nos próximos anos, alguns pequenos bancos europeus também entrarão em colapso, e muitas stablecoins que acreditavam estar seguras nesses bancos enfrentarão sérios problemas. Não vou citar nomes, mas vocês podem imaginar.
Aqui, em El Salvador e em outros países da América Central, há uma força de trabalho qualificada e especializada, pronta para atuar. Precisamos contratar profissionais, então já começamos a expandir nossas equipes nas áreas de compliance, tecnologia e desenvolvimento.
Além disso, dentro do Plano B, temos um programa chamado Rede Plan B, que é uma iniciativa educacional completa voltada para o ensino de programação, Bitcoin, Blockchain e outras tecnologias. Nosso objetivo é capacitar os alunos para que possam se tornar profissionais qualificados e, eventualmente, serem contratados. Construir um ecossistema sustentável dentro do país é essencial.
Viemos para cá porque acreditamos nesse potencial. Estamos trazendo empresas, e eu mesmo passarei um bom tempo aqui. É fundamental investir no território, ou seja, contratar talentos locais, em vez de importar profissionais de fora.
Se o ambiente regulatório incentiva a inovação e o desenvolvimento do setor de criptomoedas, vale a pena investir aqui. Mas, mais do que isso, não se trata apenas de cripto—trata-se de prosperidade, segurança e proteção. Comparando novamente com a Europa, vejo que lá a instabilidade está crescendo. Há mais insegurança, mais agitação nas ruas. Aqui, sentimos um ambiente diferente, com mais oportunidades e otimismo.
El Salvador é mais seguro que a Europa
CTBR: Então El Salvador tem uma extrutura regulatório mais segura agora que a Europa?
PA: Bem, na verdade, este país já foi a capital mundial do crime, e hoje é o país mais seguro das Américas. Isso é algo impressionante. Quando você investe em um país e traz pessoas para trabalhar aqui, é fundamental ter certeza de que esse ambiente é seguro e estável. Segurança é uma das coisas mais importantes da vida—e para os negócios, isso é essencial. É muito difícil construir algo sólido quando tudo ao seu redor está em caos.
Na Europa, se olharmos para as estatísticas dos últimos 10 anos, veremos que a insegurança tem aumentado significativamente. Aqui, em El Salvador, os problemas de segurança foram resolvidos há apenas dois anos, mas a mudança foi notável.
Acredito que o país permanecerá estável por muito tempo. Bukele fez um trabalho incrível, e muitos outros governos da região estão atentos ao que aconteceu aqui. Muitas nações olham para El Salvador e se perguntam: "Se eles conseguiram, por que nós não podemos?"
Lei do Bitcoin não vai acabar com saída de Bukele
CTBR: Você acredita que a política de Bitcoin de Bukele é forte suficiente para permanecer após sua saída?
PA: Antes de tudo, pense no que aconteceu na Suíça. Lá, o dinheiro em espécie sempre foi predominante, e levou cerca de 20 anos para que as pessoas confiassem e adotassem os cartões de débito e crédito.
Agora, considerando que nos EUA a nova administração está apoiando as criptomoedas, acredito que os outros governos ao redor do mundo terão que levar isso em consideração. Nos próximos quatro anos, veremos um impacto ainda maior nesse sentido.
Claro, a adoção leva tempo. Se na Suíça foram necessários 20 anos para que os cartões de crédito se tornassem comuns, não podemos esperar que, em apenas dois anos, El Salvador já tenha uma adoção perfeita do Bitcoin. É importante sermos realistas e justos ao analisar essa evolução.
Dito isso, acredito que, dentro de quatro anos, a aceitação global das criptomoedas será ainda mais consolidada. Espero que qualquer novo governo continue incentivando investimentos sólidos e uma estrutura bem definida para os ativos digitais.
Tether é uma sorveteria
CTBR: Você acha que a adoção de stablecoins pode ser mais fácil do que o Bitcoin aqui em El Salvador que já conta com uma economia dolarizada?
PA: As stablecoins são interessantes porque já são, essencialmente, dolarizadas. Basicamente, uma stablecoin como o USDT é apenas uma versão do dólar na blockchain—é um dólar digital. Isso significa que não há uma grande mudança estrutural, apenas uma continuação do status quo.
No entanto, as stablecoins são uma excelente forma de introduzir as pessoas ao mundo das criptomoedas. Elas incentivam o uso de carteiras digitais e ajudam as pessoas a se familiarizarem com o conceito de dinheiro digital, tornando a transição para o Bitcoin mais natural.
Na Tether, nossa visão sobre tecnologia e produtos é que, se eles não forem mais necessários em 10, 15 ou 30 anos, isso será algo positivo. Isso significaria que surgiram produtos ainda melhores, ou talvez o mundo tenha se tornado totalmente baseado em Bitcoin—e, para nós, isso não é um problema.
Somos uma empresa simples. Apesar de sermos incrivelmente lucrativos, quase não distribuímos dividendos. Nosso foco é reinvestir e continuar construindo soluções inovadoras, em vez de apenas extrair dinheiro para nós mesmos. O que realmente nos entusiasma é criar tecnologias que tornem as pessoas mais independentes, até mesmo independentes de nós.
Já nos consideramos extremamente sortudos por termos alcançado mais do que poderíamos imaginar. Por isso, seguimos comprometidos em desenvolver soluções que proporcionem mais liberdade às pessoas.
Além das stablecoins convencionais, criamos um projeto muito interessante chamado Tether Gold. Estamos sempre explorando novas possibilidades e oferecendo diferentes opções, quase como uma sorveteria—temos baunilha, chocolate, diversos sabores para que as pessoas escolham o que funciona melhor para elas.
Até agora, o dólar tem sido a opção mais dominante, especialmente porque, na região, as pessoas preferem o dólar em relação às suas moedas nacionais. Isso torna a adoção das stablecoins uma escolha natural e acessível.
Criptomoedas não vão 'matar' os bancos
CTBR: Para acelerar esta adoção a Tether tem planos para lançar bancos digitais aqui em El Salvador, como é o Nubank no Brasil?
PA: Definitivamente toda a infra-estrutura financeira, inclusive o legado da tradicional, deverá melhorar. Não cabe a nós decidir, mas sei que o governo já está trabalhando para melhorar a infraestrutura financeira tradicional.
Muitas pessoas acreditam que as criptomoedas vão acabar completamente com os bancos, mas eu vejo um caminho onde ambos podem coexistir. Na verdade, os próprios bancos começarão a oferecer suporte a ativos digitais e continuarão sendo a interface principal para o usuário final.
Eu venho de uma cidade muito pequena na Itália, e, desde sempre, três figuras foram fundamentais na comunidade: o padre, o médico e o banqueiro. Isso ainda é verdade. Muitas pessoas ainda preferem ir até a agência bancária local para conversar e buscar orientação.
Afinal, a maioria das pessoas no mundo não tem um conhecimento financeiro profundo para gerenciar tudo por conta própria. Elas precisam de alguém que as auxilie e oriente.
A grande vantagem das criptomoedas é que elas tornam a fraude muito mais difícil. Há mais transparência, tudo está registrado na blockchain, e o dinheiro não pode simplesmente "desaparecer" sem deixar rastros. Se algo acontece, há registros claros e imutáveis.
Por isso, acredito que um dos grandes benefícios das criptomoedas é que elas podem ajudar a tornar o sistema bancário mais honesto e transparente
Trump e as criptomoedas
CTBR: Você acredita que as ordens de Trump vão impulsionar as criptomoedas então.
PA: Sim, acredito que essa é uma mensagem muito importante para o resto do mundo. As criptomoedas são uma coisa boa. Claro, precisam ser devidamente regulamentadas e controladas, mas estão aqui para ficar.
Falo isso como alguém que nasceu na Itália e cresceu assistindo a filmes dos EUA—filmes onde os americanos eram os maiores em tudo, viajavam para a Lua, Marte, destruíam asteroides e por aí vai. No entanto, agora parecem estar deixando a bola cair quando se trata de criptomoedas—e, a propósito, também em inteligência artificial.
Os EUA precisam avançar mais rápido e se concentrar mais, ou correm o risco de perder sua liderança. Não há mais tempo a perder.
Embora existam muitas empresas e fundos nos EUA, a liderança nesse espaço não será necessariamente americana. O ponto principal é que, se os Estados Unidos aceitarem as criptomoedas, isso impulsionará a aceitação global.
As criptomoedas são um fenômeno global. Não há um escritório central; qualquer pessoa, em qualquer lugar, pode participar. Será um movimento global, e será assim que as coisas vão acontecer.
A simples declaração de um presidente dos Estados Unidos afirmando que as criptomoedas são positivas já faz uma enorme diferença, tornando outros governos mais confortáveis para adotá-las também.
É uma situação diferente da inteligência artificial, que envolve infraestruturas físicas como data centers, enquanto as criptomoedas operam em uma rede descentralizada. Mesmo assim, ambas são tecnologias estratégicas extremamente importantes e merecem atenção.
ETFs não são bons
CTBR: E com relação aos ETFs de Bitcoin, qual a importância deles ao mercado?
PA: O ETF é uma boa forma de permitir que pessoas comuns tenham exposição ao Bitcoin, mas, ao mesmo tempo, ele vai completamente contra o propósito original das criptomoedas.
Na minha opinião, você não deveria manter Bitcoin por meio de um ETF, porque isso não será realmente seu dinheiro. O grande objetivo do Bitcoin é oferecer um ativo que você possa acessar em qualquer circunstância, seja em um cenário de apocalipse, guerra civil ou até mesmo uma Terceira Guerra Mundial.
Se o seu Bitcoin estiver em um ETF, você não terá controle sobre ele—e, nesse caso, nem mesmo seus filhos terão. O ETF transforma o Bitcoin apenas em um ativo especulativo, onde as pessoas apostam no preço, mas não têm posse real do ativo.
A verdadeira beleza do Bitcoin não está no preço, mas no fato de que, não importa o que aconteça, ele é realmente seu. Ninguém pode confiscá-lo ou tirá-lo de você. Esse é o seu verdadeiro valor.