Resumo da notícia
Regulação cripto entra em fase prática e eleva exigências no Brasil
Stablecoins e RWA ganham papel central na visão do Banco Central
Consolidação via licenciamento, capital mínimo e governança avança
O futuro do sistema financeiro não será uma ruptura abrupta, mas uma construção em camadas, revelou Fabio Araujo, coordenador do projeto do Drex no Banco Central do Brasil, durante um painel realizado recentemente pela Hacken e que também contou com a participação de Marcus Fonseca e Fausto Teixeira, ambos da Demarest Advogados.
Na visão do executivo do Banco Central, o futuro financeiro será estruturado em diferentes níveis. Na base, continuará existindo o dinheiro emitido pela autoridade monetária. Acima dele, ganharão espaço instrumentos privados tokenizados, como stablecoins e depósitos digitais. Em outra camada, estarão os ativos do mundo real, como títulos, créditos e recebíveis tokenizados. No topo, surgirá um ambiente mais experimental, voltado a ativos virtuais e novos protocolos.
Esse modelo busca resolver um problema histórico do sistema financeiro tradicional: a separação entre fluxo de dinheiro e fluxo de informação. Hoje, conciliações, compensações e controles acontecem de forma fragmentada, o que gera custos elevados e ineficiências operacionais. Com ativos digitais, o valor e a informação trafegam juntos, reduzindo atritos e abrindo espaço para novos modelos de negócio.
“Vejo um mercado onde a tecnologia melhora muito a eficiência, especialmente com ativos do mundo real (RWA). Teremos várias camadas: na base, o dinheiro do Banco Central; na segunda camada, o dinheiro do setor privado (stablecoins ou depósitos tokenizados); uma camada de ativos reais e, por cima, uma camada de ativos virtuais para experimentação de novos protocolos. Essa é a visão de longo prazo para o ecossistema”, disse.
Consolidação antes da aceleração
Apesar do potencial transformador, Araújo deixou claro que o mercado ainda não chegou à fase de expansão acelerada. O momento é de consolidação. Segundo ele, o arcabouço regulatório recém-estabelecido ajuda a organizar o setor, cria previsibilidade e prepara o terreno para um crescimento mais sustentável no futuro.
Essa leitura foi compartilhada por outros participantes do painel. Para Marcus Fonseca, do Demarest Advogados, a regulação estabelece filtros naturais. Empresas que não conseguirem atender aos novos requisitos de capital, governança e infraestrutura tendem a buscar fusões, aquisições ou parcerias para permanecer no mercado. A consolidação, portanto, não é um efeito colateral, mas uma consequência esperada do novo cenário.
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"Elas precisam cumprir três grandes aspectos: 1) Provar que já operavam antes de fevereiro; 2) Capital mínimo, que aumentou em relação à consulta pública; 3) Governança, garantindo que os diretores já estejam contratados e que possuam infraestrutura robusta. Para quem não opera até fevereiro, a autorização deve vir antes de iniciar as atividades. Devido a esses requisitos de capital, algumas exchanges que operam agora podem não conseguir cumpri-los, por isso falamos em consolidação via M&A (Fusões e Aquisições) ou parcerias.", destacou Marcus.
Um dos pontos mais relevantes do debate foi o caminho de licenciamento para empresas que operam ou pretendem operar no Brasil. Qualquer entidade que ofereça serviços enquadrados como intermediação, custódia ou exchange precisa de autorização formal do Banco Central.
Há um marco temporal claro. Empresas que já estiverem operando até fevereiro de 2026 poderão continuar funcionando, desde que solicitem autorização dentro do prazo estabelecido e cumpram um período de adaptação. Para novos entrantes, a licença passa a ser pré-requisito para iniciar qualquer atividade.
Os critérios exigidos incluem comprovação de operação prévia, capital mínimo mais elevado do que o inicialmente proposto em consultas públicas e uma estrutura robusta de governança, com executivos formalmente contratados e responsáveis. Na prática, isso eleva o nível de profissionalização do setor.
Fábio Araújo: executivos terão que ter ficha limpa
Ao ser questionado sobre onde empresas deveriam concentrar seus esforços de compliance, Araújo foi direto. A prioridade deve ser a construção de um arcabouço sólido de governança, com documentação clara, responsabilidades definidas e executivos com histórico íntegro e conhecimento comprovado do mercado.
Para o Banco Central, não basta ter tecnologia ou inovação. É essencial demonstrar resiliência financeira, controles internos eficazes e capacidade de atender requisitos prudenciais. A lógica é simples: ao lidar com recursos da população, as empresas precisam ser capazes de responder por eventuais falhas, com responsabilização clara dos gestores.
Outro eixo central da regulação é o combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo. O Brasil avança na implementação da chamada Regra de Viagem, alinhada às recomendações do GAFI, que exige a coleta e o compartilhamento seguro de dados do originador e do beneficiário das transações entre prestadores de serviços de ativos virtuais.
Isso representa um desafio operacional relevante, especialmente em um ecossistema que valoriza descentralização e privacidade. Ainda assim, o Banco Central entende que, à medida que o mercado cripto se conecta ao sistema financeiro tradicional, precisa herdar também suas redes de segurança.
A cibersegurança aparece como outro pilar inegociável. A autoridade monetária espera que os participantes acompanhem as melhores práticas internacionais, reduzindo riscos sistêmicos e protegendo usuários finais.
"As regulamentações do Banco Central são, em geral, bastante rigorosas... temos um longo histórico de adesão aos padrões internacionais. Se eu fosse um CEO ou oficial de conformidade, focaria em estabelecer um arcabouço robusto de governança e de documentação com executivos responsáveis. Isso faz parte do nosso processo de autorização: precisamos saber sobre a integridade e a competência do nível estratégico da empresa. Todos precisam ter ficha limpa e mostrar que entendem o mercado, pois lidarão com as economias da população.", ressaltou Araújo.
Stablecoins sob uma nova lente regulatória
As stablecoins ocuparam um espaço relevante na discussão. Diferentemente de outros ativos digitais, elas passam a ser tratadas também sob a ótica cambial. Para operar com stablecoins no Brasil, os players precisarão de uma licença específica para realizar transações no mercado de câmbio com ativos digitais.
Essa exigência adiciona uma camada regulatória adicional, mas reflete a importância crescente desses instrumentos. Para o Banco Central, stablecoins têm potencial para reduzir custos, eliminar intermediários tradicionais e simplificar operações internacionais, desde que operem dentro de um ambiente regulado e supervisionado.
Também persistem dúvidas sobre a classificação jurídica de determinadas operações, especialmente quando envolvem stablecoins em reais e serviços descentralizados ou carteiras não custodiais. Segundo Araújo, essas questões ainda estão em discussão com outros bancos centrais e devem amadurecer com o tempo.

