A Receita Federal do Brasil (RFB) divulgou nesta quinta, 01 de fevereiro, que utilizando técnicas tradicionais e de inteligência artificial, identificou que 25.126 pessoas físicas teriam, ao final de 2022, pelo menos 0,05 Bitcoin, o equivalente à cerca de R$ 10 mil em valores atuais.

No total, segundo a Receita Federal, essas pessoas físicas teriam investimento de aproximadamente R$ 1,06 bilhão não informado à Receita Federal. O mapa a seguir indica a concentração dessas pessoas.

Receita Federal do Brasil

Conforme uma tabela divulgada pelo regulador, há residentes em todos os estados da federação. Entre os usuários, 181 indicam estar no exterior e, nesse caso, a depender das condições específicas, podem estar dispensados de entrega de declaração no Brasil.

"Ao processar as declarações de imposto de renda entregues pelas pessoas físicas em 2023, identificaram-se registros de 237.369 investidores em Bitcoins, com um montante acumulado de R$ 20,5 bilhões", informou a instituição.

Segundo a Receita Federal, em termos de perfil, os dados apontam que mais da metade (50,9%) dos declarantes fizeram investimento de até R$ 1 mil. O valor de até R$ 10 mil foi informado por 80,6% das pessoas físicas. Há, também, investidores que indicam ter mais de R$ 1 milhão em bitcoins.

UF Quantidade Valor (R$)
SP 8.635 374.561.979
RJ 2.912 113.621.320
MG 2.078 89.609.365
RS 1.730 78.723.762
PR 1.435 54.728.648
SC 1.330 58.285.736
BA 989 46.686.880
GO 748 31.397.675
DF 677 35.494.362
PE 589 23.099.965
ES 502 20.037.582
MT 452 17.793.251
CE 408 16.501.037
PA 386 13.712.906
MS 308 9.998.035
PB 292 11.504.880
AM 229 8.279.738
RN 227 8.528.940
MA 223 8.210.198
RO 186 8.890.040
EX 181 9.399.845
AL 149 4.447.463
PI 114 3.612.880
SE 98 2.966.929
TO 95 4.487.632
AC 69 3.349.387
RR 47 1.209.179
AP 37 1.863.262
Total 25.126 1.061.002.875

"Entendemos que esse comunicado está alinhado com a atuação cada vez mais incisiva da Receita Federal do Brasil (RFB) na fiscalização e no cruzamento de informações relacionadas aos criptoativos. É fundamental que os investidores estejam cientes das suas obrigações e dos riscos que estão sujeitos ao não realizar as suas declarações", declarou a contadora Ana Paula Rabello.

Cinthia Benvenuto, sócia da área tributária do Innocenti Advogados, apontou que o ideal é que se procure profissionais qualificados e com experiência na declaração de investimentos desta natureza, a fim de evitar questionamentos e penalidades que podem vir por parte da Receita Federal.

"Tanto a forma de declarar os investimentos em criptomoedas e seus rendimentos, quanto quais contribuintes estão de fato obrigados a tal declaração, ainda são dúvidas muito comuns. Isto porque as operações envolvendo criptoativos ainda são obscuras e a prática desconhecida por grande parte das pessoas que investem neste tipo de moeda, o que acaba por ocasionar erros no momento da declaração”, disse.

Receita Federal

Luis Claudio Yukio Vatari, advogado tributarista e sócio do Toledo Marchetti Advogados, destaca que o valor que pode impressionar em um primeiro momento, não vai configurar em necessariamente em um ganho para o fisco federal.

"A tributação das criptomoedas deve seguir as regras de direito tributário, ou seja, ser proprietário de uma moeda digital, por si só, não gera um tributo a recolher, mesmo com a Lei 14.754/2023 - Tributação de Offshores (o texto deixa entender que os valores de criptomoedas são investimentos no exterior).  

Ademais, tem-se outra discussão, pois se adentra a uma questão de ordem prática, pois se a criptomoeda estiver "localizada" no exterior, uma simples regularização não seria suficiente, pois a omissão de ativos financeiros no exterior configura crime contra a ordem financeira, sendo necessário, nesse cenário, uma anistia como ocorreu nos anos de 2016 e 2017", disse.

Segundo Vatari, o desenrolar de como esse assunto será tratado é interessante, pois esses ativos virtuais possuem uma liquidez relativamente grande, bem como uma rastreabilidade relativamente difícil.

"Tais questões aliadas aos temas tributárias, alguns que ainda serão questionados perante o judiciário, pode trilhar não apenas a jurisprudência mas a escolha de investimentos pelos próximos anos.No ano passado, a RFB divulgou um relatório no qual abordava sua atuação no mercado de criptomoedas no Brasil e enfatizou que vem utilizando ferramentas de inteligência artificial para monitorar as movimentações de Bitcoin e criptomoedas e impedir que usuários fujam de pagar impostos no país", apontou.

Segundo a RFB há um completo sistema de análise para realizar o monitoramento das atividades de criptoativos e a partir dessas ferramentas é possível detectar transações suspeitas por meio da manipulação de um volume muito grande de dados e informações.

"Com esses sistemas, é possível acompanhar, por exemplo, onde estão sendo realizadas as negociações, inclusive as localizações das pessoas físicas que compram e vendem criptomoedas", disse o regulador.

Além disso, segundo declarou, o sistema da Receita Federal faz uso de modernas técnicas de processamento de dados, inteligência artificial e análise de redes complexas. O regulador também destacou que essa ferramenta ganhou novas funcionalidades desenvolvidas para representar relacionamentos entre operadores.

"Isso deve facilitar uma análise na busca de irregularidades tributárias", apontou.

Recentemente a RFB anunciou as datas para a entrega da Declaração do Imposto de Renda Pessoa Física em 2024. Neste ano, o prazo será de 15 de março a 31 de maio. Uma mudança significativa para este ano é a ampliação da faixa de isenção do Imposto de Renda, que subiu de R$ 1.903,98 para R$ 2.112,00, beneficiando milhões de brasileiros.

Além disso, a Receita Federal deve divulgar nos próximos dias as mudanças e normas específicas para os investidores de criptomoedas, já que a  Lei nº 14.754, sancionada pela presidente Lula (PT) e conhecida como "Lei das offshore", foi aprovada no ano passado e afeta os usuários que possuem criptoativos em empresas no exterior.

Os contribuintes obrigados a declarar são aqueles com rendimentos tributáveis superiores a R$ 28.559,70 em 2023.

Como funciona hoje o Bitcoin no Imposto de Renda

A Receita Federal estabelece que as informações sobre operações realizadas com criptoativos se aplica tanto a pessoas físicas quanto a jurídicas.

Além disso, as corretoras de criptoativos domiciliadas no Brasil, também têm a responsabilidade de prestar informações anuais sobre seus usuários. As operações realizadas em corretoras domiciliadas no exterior ou fora do ambiente de uma corretora, também devem ser declaradas.

Guilherme Peloso Araújo, doutor em direito tributário, sócio no escritório Carvalho Borges e Araújo, ressalta que a declaração de criptoativos não se limita apenas ao Bitcoin, mas engloba todas as operações realizadas com qualquer criptoativo ou moeda virtual. Portanto, é fundamental que os contribuintes mantenham registros precisos de todas as transações, incluindo datas, valores e identificação das partes envolvidas.

"Ao informar o valor de aquisição dos criptoativos, é importante considerar a cotação do momento da compra, especialmente em virtude da volatilidade desses ativos. Utilizar fontes confiáveis, como extratos de corretoras ou índices de mercado, é uma prática recomendada para evitar inconsistências nas declarações.

Os criptoativos devem ser declarados na ficha de "Bens e Direitos" do Imposto de Renda, informando a quantidade de ativos detidos e o valor correspondente em reais", afirma.

Já Thiago Barbosa Wanderley é advogado tributarista sócio do Salles Nogueira Advogados, destaca que é importante que o contribuinte declare o seu saldo de criptoativos em 31/12/2022, sejam eles fungíveis ou não, com o correspondente código (bitcoin, altcoins, stablecoins, NFTs ou outros). Sugerimos a descrição de quais são os ativos e a quantidade de cada um deles, além da corretora em que são mantidos.

"O valor a constar na ficha de bens e direitos deverá ser o seu custo de aquisição, ou seja, o valor a ser declarado não é o valor de mercado dos ativos, mas os valores por eles pagos. Diante disso, é importante que o contribuinte mantenha controle do custo de aquisição dos seus ativos digitais, de modo que lhe seja possível a demonstração, caso necessário.

O custo de aquisição também será importante para que seja possível a apuração do IRPF sobre o ganho de capital, caso o contribuinte transacione valor maior que R$ 35.000,00 dentro de um mesmo mês.

O contribuinte deve estar atento para incluir na DIRPF o ganho de capital auferido com as vendas de criptoativos. Caso as vendas tenham sido em valor inferior a R$ 35.000,00/mês, o ganho deverá ser declarado como isento de imposto; caso as transações sejam maiores, deverá ser informado o valor e o imposto correspondente recolhido.

Por fim, ele destaca que com base nas informações prestadas pelas exchanges a RFB disponibiliza o pré-preenchimento da ficha de bens e direitos constando o saldo de criptoativos, cabendo ao contribuinte conferir e, eventualmente, ajustar tais informações, já que elas podem não representar a realidade do patrimônio a ser declarado.

Thiago Barbosa Wanderley afirma também que é obrigatória a declaração dos criptoativos cujo valor detido em 31.12.2022 era superior a R$ 5.000,00. Este valor é considerado por espécie de criptoativos, ou seja, se você adquiriu BTC por R$ 6.000,00 e ETH por R$ 3.000,00, mantendo-os até 31.12.2022, estará obrigado a declarar somente os bitcoins.

"Os declarantes de primeira viagem costumam confundir a "obrigação de declarar seus criptoativos" com a "obrigação de declarar o imposto de renda", chegando a equivocada conclusão de que, se detiverem mais de 5 mil em cripto estariam obrigados a transmitir sua declaração.

Já os NFTs  possuem a peculiaridade de serem únicos. O efeito prático disto é a necessidade de se declarar cada NFT de forma isolada na sua Ficha de Bens e Direitos. Ao contrário dos NFTs, os demais criptoativos de mesma espécie são declarados de forma conjunta. 

Ele também aponta que para os criptoativos decorrentes de airdrops ou operações de staking, é preciso considerar que estes ativos possuem custo de aquisição igual a zero. Isso não quer dizer que você deve declará-lo em separado, mais sim que deve acrescer este criptoativo aos demais que detinha, sem aumentar o custo de aquisição.

"Exemplificando, se você já possuía 10 ETH com custo de aquisição de R$ 120.000,00, ao receber 1 ETH decorrente de staking, deverá declarar os 11 ETH com o mesmo custo de aquisição de R$ 120.000,00.

No momento da declaração do IR, não haverá qualquer imposto a pagar referente aos criptoativos . A incidência do IR se dá quando da alienação (comumente uma venda ou permuta), devendo o contribuinte preencher as informações da operação no Programa de Ganho de Capital (GCAP) e recolher o tributo até o último dia útil do mês posterior a alienação.

Desta forma, no momento da declaração do IR, bastará selecionar o campo de "Ganho de Capital" e, na Ficha referente a "Direitos/Bens móveis", realizar a importação dos dados transmitidos pelo programa do GCAP.

O conselheiro e coordenador da Comissão do Imposto de Renda 2023 do Conselho Federal de Contabilidade, Adriano Marrocos, aponta que a Receita estabelece que as operações devem ser informadas mensalmente por meio do sistema Coleta Nacional.

“Ao fim de cada ano, as informações, por CPF, devem trazer o saldo, em 31/12, de moedas fiduciárias e de cada espécie de criptoativos (quantidade e em reais), além do custo de aquisição, em reais”, diz Marrocos. São essas informações que devem ser informadas na declaração de imposto de renda.

Ele elaborou um pequeno guia para ajudar os investidores a ficar em dia com a Receita Federal e entregar sua declaração. Confira.

Como declarar?

Devem declarar os investimentos em ativos digitais todos aqueles que tinham valor de aquisição igual ou superior a R$ 5 mil no dia 31 de dezembro de 2022. A declaração é opcional para os contribuintes que possuíam valores menores. 

Vale lembrar que o valor de aquisição é aquele pago pelo contribuinte pelos ativos, não o que ele vale atualmente. Para isso, é importante convertê-lo pela taxa de câmbio da data da operação, conforme o Banco Central.

Outro ponto é que a obrigatoriedade é válida por categoria de criptoativo, ou seja, os ativos não são compreendidos como uma categoria única: se o mínimo for atingido em bitcoins, mas não em ethereum, só as bitcoins devem ser declaradas.

A declaração do valor de aquisição deve ser feita na ficha “Bens e Direitos”, de acordo com os códigos correspondentes:

  • 01 – Bitcoin (BTC);
  • 02 – Outras criptomoedas (altcoins), como Ether (ETH), Ripple (XRP), Bitcoin Cash (BCH) e Litecoin (LTC);
  • 03 – Criptoativos stablecoins, como Tether (USDT), USD Coin (USDC), Brazilian Digital Token (BRZ), Binance USD (BUSD), DAI, True USD (TUSD), Gemini USD (GUSD), Paxos USD (PAX), Paxos Gold (PAXG) etc;
  • 10 – NFTS (NonFungible Tokens);
  • 99 – Outros criptoativos.

Na descrição, devem ser informados qual é a criptomoeda, a quantidade, o nome e o CNPJ da empresa que está custodiando suas criptos. Se o próprio contribuinte estiver guardando os ativos, ele deve informar o modelo de carteira digital.

No caso da obtenção de lucro a partir da venda de criptoativos, há regras diferentes. Devem declarar aqueles que venderam ativos em valor superior a R$ 35 mil em um mês. Nesse caso, o contribuinte já deverá ter pago o imposto até o fim do mês subsequente à venda. Assim, na declaração de imposto de renda, apenas deverá informar o lucro obtido na ficha “Ganhos de Capital”.

Vendas com valor inferior a R$ 35 mil em um mês também precisam ser declaradas, neste caso na ficha “Rendimentos Isentos e Não Tributáveis”.