O Drex, projeto do Banco Central que envolve a criação de sua moeda digital, iniciou seu projeto-piloto em agosto. Para o piloto, foram selecionados 16 diferentes consórcios, compostos por empresas que vão desde bancos tradicionais até provedores de serviço do mercado de criptomoedas.

O Banco Inter compõe um desses consórcios, ao lado de Microsoft e 7Comm. Bruno Grossi, Tech Manager do Inter, conversou com o Cointelegraph Brasil sobre a participação do banco digital no piloto do Drex e compartilhou insights sobre temas relacionados ao projeto.

Coinelegraph Brasil (CTBR) – Nas últimas semanas, veículos de notícia publicaram sobre diferentes consórcios estabelecendo ‘nós’ dentro do Drex. O que são esses nós e qual é a importância deles?

Bruno Grossi – Vou explicar de forma que atenda até os leitores mais leigos. A base da blockchain é uma tecnologia P2P [pessoa para pessoa]. É aquela mesma tecnologia que a gente usava lá atrás para compartilhar música, filme e outros arquivos. 

Então, usando essa mesma base, um nó no contexto da tecnologia P2P representa uma entidade que compõe a rede. Em uma blockchain pública, qualquer pessoa pode entrar e se tornar um nó, desde que cumpra alguns requisitos. Ela se conecta e começa a receber os blocos que estão sendo validados.

No caso da blockchain do Drex, ela é permissionada. Então, só consegue entrar quem o Banco Central libera. A entrada na rede é isso: temos um nó na nossa infraestrutura, conectado através da Rede Nacional do Sistema Financeiro (RSFN), que se conecta na rede P2P do Drex e que pode receber esses blocos que estão sendo validados. 

E por que isso é complicado? Exatamente porque toda vez que há uma entrada, o Banco Central está avaliando como é adicionar um novo participante, ou como a rede se comporta a uma nova adição. 

Após receber nossa chave pública, o Banco Central dá autorização e, a partir desse momento, a gente faz parte da rede, começa a receber os blocos que são minerados e podemos adicionar transações na blockchain a partir do nosso nó. Mas tudo isso só acontece depois do permissionamento do Banco Central.

CTBR – Dentro dos planos do Banco Central para emissão de uma moeda digital, qual é a diferença entre Drex, Real Digital e Real Tokenizado?

Grossi – O Drex é a blockchain, como se fosse a rede da Ethereum. O Real Digital é um contrato inteligente no padrão ERC-20, que é a moeda que vai circular em cima dessa blockchain nas transações entre instituições financeiras. E o Real Tokenizado é o dinheiro de varejo que vai chegar até as pessoas e estará efetivamente na conta, e também é um contrato inteligente.

A diferença é que há um tipo de Real Tokenizado para cada banco mas, na prática, o usuário não vai perceber isso. Imagino que não veremos uma divisão na conta dos bancos, onde há R$ 10 na conta em real e R$ 10 na carteira criada na rede Drex. 

Resumindo, o Drex é a plataforma, e é uma plataforma multiativos. Não haverá só o Real Digital, o Drex vai rodar outros ativos, como o Tesouro Direto. 

CTBR – Hoje (8), o Inter enviou realizou transações na rede do Drex com a Caixa e o Bradesco. O ativo utilizado foi o Real Tokenizado?

Grossi – Não, nós fizemos uma transação com o Real Digital, que é a reserva do banco, saindo da nossa reserva e indo para a reserva da Caixa. Fizemos isso com o Bradesco também, a gente emitiu Real Digital na nossa reserva e mandamos uma parte desse valor para a Caixa, uma parte para o Bradesco, e eles fizeram uma transferência para nós também. Mas ainda é o Real Digital, e não o Real Tokenizado.

Nós já testamos o Real Tokenizado também. Criamos mil reais na conta de um cliente fictício, que é um Real Tokenizado do Inter, e toda movimentação que acontece dentro do banco usará esse Real Tokenizado do Inter. 

Se a gente quiser transferir, por exemplo, do nosso cliente para o cliente de outro banco, é necessário pegar esse saldo em Real Tokenizado, converter em Real Digital e enviar para outro banco, e lá é emitido Real Tokenizado para o cliente final na conta do outro banco.

CTBR – O Drex é tratado por alguns membros da indústria de tokenização como uma forte alavanca para o setor. Vocês concordam com isso no Inter? Quais melhorias vocês enxergam?

Grossi – Concordamos demais. Só o fato de estarmos discutindo o assunto já está fazendo o tema correr. Tanto internamente quanto com o público em geral, essa discussão tem gerado interesse e notícias, o que faz com que avancemos rumo a essa tecnologia, a essa economia tokenizada.

Além disso, o fato de vermos também uma instituição importante no cenário financeiro, aprofundando e criando sua própria blockchain, com certeza vai dar uma base tecnológica para seguirmos rumo a essa economia tokenizada. É algo que vai acelerar muito esse trajeto.

O mercado, com certeza, já seguiria por esse caminho. Mas, com o Bacen indo junto, tudo fica muito mais rápido. Essa conversa que temos sobre economia tokenizada é a prova de que o setor está sendo potencializado.

Quanto às melhorias, o próprio Moniz [analista de blockchain do Banco Inter] gosta muito de citar como exemplo que os títulos do tesouro demoram até 48 horas para serem executados. Ou seja, o dinheiro demora de 24h a 48h para cair na conta. Com o Drex, isso vai acontecer em cinco segundos, é o tempo de gerar um bloco.

Nós ainda não sabemos como ficarão os custos, porque o Bacen ainda não definiu, mas sabemos que é possível agilizar, tirar intermediários ou modernizar os que existem, para que tudo reduza custos no final das contas.

CTBR – O piloto do Drex, na fase atual, foca na simulação com a liquidação de ativos tokenizados no atacado usando o Real Digital. Vocês já vislumbram, porém, mais casos de uso em outras etapas dessa fase de experimentação, como implementar mecanismos das finanças descentralizadas?

Grossi – Nós já questionamos o Banco Central sobre a possibilidade de realizarmos testes nesse sentido, mas eles estão ainda com um certo receio de permitir testes nessa blockchain do piloto. Mas eu tenho certeza que, passada a primeira fase e resolvidas as questões de privacidade, esse será um ponto importante para discutir dentro do piloto, e acredito que esse é o que gastará mais tempo.

Então, passando a primeira fase, acredito que a gente vai poder discutir com o Banco Central essas possibilidades de ter mecanismos de DeFi dentro do piloto. Mas eu não vejo isso acontecendo antes de resolver os desafios de privacidade, que eu acho que é hoje o que mais está ocupando todo o time do Banco Central. 

De qualquer forma, temos levantado essa discussão internamente, para a gente entender o quanto a gente pode tokenizar. Temos uma rede de testes também do Drex, onde geramos o nosso próprio contrato inteligente, e estamos testando aqui dentro, explorando possibilidades e simulando algumas coisas. Estamos muito atentos a outras possibilidades.

CTBR – Com o que foi possível observar nessa fase inicial do piloto do Drex, qual é o maior desafio que você julga ser trabalhoso para contornar?

Grossi – Eu acho que o principal desafio envolve questões de privacidade. Como eu falei, o que mais preocupa o Banco Central e os participantes hoje é resolver problemas de privacidade, já que nenhuma rede blockchain atualmente, seja ela pública ou privada, solucionou esse problema por completo.

Existem algumas soluções propostas para garantir a privacidade, mas nenhuma realmente está em produção e com funcionamento em larga escala comprovado. Eu acho que esse é o ponto principal.

CTBR – Um relatório publicado pelo Banco de Compensações Internacionais (BIS, na sigla em inglês) aponta que 93% dos bancos centrais do mundo todo estão envolvidos, em algum nível, em projetos de moeda digital (CBDC, na sigla em inglês). Nesse cenário, você acredita que é difícil conectar as diferentes estruturas de CBDC e criar um veículo de câmbio digital internacional?

Grossi – Será desafiador mas, como alguém da área de tecnologia, eu sou muito otimista com relação às possibilidades tecnológicas. Por isso, acredito que a dificuldade em criar esse tipo de veículo será mais política do que tecnológica.

Hoje, já temos pontes entre várias blockchains, temos soluções como o CCIP da Chainlink, que conecta contratos inteligentes de redes diferentes. A tecnologia para fazer isso, então, já existe, e a parte tecnológica não deve ser um empecilho.

O problema maior, ao meu ver, será político, e eu estou muito por fora para saber as chances reais disso acontecer.

Leia mais: