Durante o primeiro dia do Blockchain Rio, Gabriel Galípolo, presidente do Banco Central do Brasil, afirmou que é importante diferenciar o Drex das stablecoins e dos criptoativos.

Embora utilize tecnologia semelhante (blockchain e tokenização), o Drex tem fundamentos completamente distintos e não será apenas uma stablecoin, uma versão digital do Real, voltada para pagamentos, como ocorre, por exemplo com o Yuan Digital na China

“O Drex não é simplesmente uma réplica das CBDCs descritos na literatura,” afirmou. Ele explicou que o Drex representa um movimento técnico e institucional mais profundo: a possibilidade de transformar depósitos tradicionais em passivos diretos do Banco Central, com lastro público e sob supervisão total.

Segundo ele, o surgimento das CBDCs traz novos desafios. Galípolo observou que, quando uma CBDC é usada diretamente entre o banco central e o cidadão, ela pode alterar o papel da intermediação bancária tradicional, encurtando o caminho do dinheiro até a ponta.

O Drex não é uma CBDC tradicional

Apesar disso, ele fez questão de reforçar que o Drex não segue exatamente esse modelo. Segundo Galípolo, o projeto se aproxima muito mais de um sistema de tokenização de ativos, em vez de uma emissão direta de moeda pelo Banco Central.

“O Drex está muito mais relacionado ao processo de tokenização e organização de ativos, usando contratos inteligentes (smart contracts) para facilitar garantias e transações,” disse.

De acordo com Galípolo, uma das aplicações mais promissoras do Drex é a colateralização de ativos. Ou seja, com a tokenização, será possível transformar bens em ativos digitais e usá-los como garantia para obter crédito — tudo isso de forma mais rápida, segura e transparente.

“Com smart contracts, será muito mais simples apresentar ativos como garantia, levantar recursos e facilitar transações com menos fricção e menos produtos intermediários,” destacou.

Pix já resolve parte dos problemas que motivaram as CBDCs

CBDC

Além disso, Galípolo criticou a ideia de que uma CBDC precisa substituir completamente o sistema atual.

“Muitas das soluções que as CBDCs internacionais propõem já foram, em boa parte, resolvidas no Brasil com o Pix. Se você já tem um sistema de pagamentos instantâneo e eficiente, como o Pix, é possível endereçar diversos problemas sem precisar romper com a estrutura monetária baseada na intermediação bancária,” concluiu.

Para o presidente do BC, o Drex representa uma evolução funcional da infraestrutura financeira, não uma revolução monetária. Ele vê o projeto como um instrumento prático, voltado à redução de custos de crédito, aumento da inclusão financeira e modernização das operações, sem comprometer os fundamentos da política monetária brasileira.

Criptoativos x Criptomoedas

Em sua fala, Galípolo destacou a importância de classificar corretamente os ativos digitais, especialmente diante da popularização do tema no debate público e nas redes sociais. Segundo ele, o uso do termo “criptoativo” tem sido cada vez mais frequente na literatura e na regulação internacional.

“Criptoativos não são necessariamente moedas,” explicou. “Embora sejam chamados assim, muitos não cumprem as três funções clássicas de uma moeda: meio de troca, unidade de conta e reserva de valor.”

Galípolo afirmou que, na prática, a maioria dos criptoativos tem se comportado como instrumentos de investimento, muitas vezes usados para diversificação de portfólio. Isso ocorre, segundo ele, por conta das características próprias desses ativos, como a volatilidade de preços e a ausência de controle central.

“A valorização esperada e as correlações com outros ativos tornam os criptoativos mais atrativos como aplicação financeira do que como moeda de uso cotidiano,” afirmou.

Stablecoins crescem e se ligam a títulos do governo dos EUA

Em seguida, o presidente do Banco Central explicou o papel das stablecoins, que são projetadas para manter estabilidade de valor e estão em forte crescimento, especialmente no Brasil.

Essas moedas digitais costumam ser lastreadas por ativos reais, principalmente títulos públicos dos Estados Unidos, como os T-Bills. Isso, segundo Galípolo, gera uma demanda indireta por dívida americana.

Apesar disso, ele pontuou que autoridades monetárias dos EUA já estabeleceram que stablecoins não podem pagar juros aos seus detentores, justamente para não se assemelharem a fundos de investimento de renda fixa. O objetivo é garantir que essas moedas cumpram função de meio de pagamento, e não de reserva financeira remunerada.

Drex segue modelo soberano e supervisionado

Galípolo também disse que ao manter o Drex sob gestão pública, o Banco Central garante segurança, estabilidade e neutralidade, evitando os riscos de desintermediação ou conflito de interesses que podem surgir em redes privadas não supervisionadas.

“Quando olhamos o que está acontecendo no mercado global, vemos sinais claros de avanço do ecossistema de ativos digitais, especialmente no segmento de stablecoins,” afirmou Galípolo.

Segundo ele, esse movimento está se inserindo cada vez mais fortemente no mercado de "money market", estimado em cerca de US$ 7 a 8 trilhões. Stablecoins parecem estar ocupando espaço sobre o dinheiro tradicional e outros meios de pagamento, o que tem chamado a atenção de grandes empresas do varejo.

“Hoje já vemos empresas varejistas interessadas em stablecoins como alternativa aos meios de pagamento tradicionais,” explicou. Isso ocorre tanto por questões tecnológicas quanto pela capacidade de gerar fidelização do cliente a partir de uma lógica financeira.

Stablecoins e a função de meio de pagamento

Galípolo ressaltou que o avanço das stablecoins tem se concentrado na função monetária de meio de pagamento, ainda que os criptoativos também possam ser usados como reserva de valor.

No caso dos criptoativos tradicionais, o valor é percebido principalmente como um ativo de investimento.

“A lógica é comprar esperando que a escassez e a demanda crescente promovam sua valorização,” explicou. Ou seja, o foco está no retorno, e não na função de moeda corrente.

Já as stablecoins têm uma proposta diferente: preservar valor ao manter lastro em ativos estáveis, como títulos públicos — sobretudo americanos. Galípolo apontou que esse modelo oferece uma alternativa operacional aos sistemas de pagamento tradicionais, graças à infraestrutura em blockchain.