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Comissão aprova PL e abre caminho para bancos como Itaú competirem com a Binance usando stablecoins

Projeto aprovado na Comissão de Desenvolvimento Econômico cria Unidades Bancárias Internacionais e permite que bancos usem stablecoins para disputar serviços hoje dominados por exchanges globais.

Comissão aprova PL e abre caminho para bancos como Itaú competirem com a Binance usando stablecoins
Brasil

Resumo da notícia

  • Comissão aprova PL que integra stablecoins ao sistema bancário internacional

  • UBIs criam base para câmbio digital, tokenização e carry trade global

  • Projeto reposiciona o Brasil na arquitetura financeira internacional

A Comissão de Desenvolvimento Econômico (CDE) da Câmara dos Deputados aprovou o relatório do Projeto de Lei nº 2.338/2025, de Renata Abreu (Podemos-SP) e relatoria de Augusto Coutinho (Republicanos-PE). Entre outros pontos, o parecer ajuda a criar um ambiente mais competitivo para bancos em relação a exchanges de criptomoedas.

Com isso, o projeto cria um ambiente em que bancos, como o Itaú, passam a disputar espaço com exchanges globais (como a Binance), não no mercado de varejo de compra e venda de criptomoedas, mas especialmente em operações de custódia, câmbio digital e liquidação internacional via stablecoins.

Diferentemente das plataformas cripto tradicionais, porém, essas atividades ficam concentradas em instituições financeiras reguladas, com regras prudenciais, contabilidade segregada e fiscalização contínua, ou seja, dentro de um ambiente regulamentado e que pode ser mais atrativo para players institucionais, fundos e empresas globais.

O parecer aprovado reconhece que o sistema atual já não acompanha a velocidade das finanças globais e propõe um novo modelo institucional capaz de integrar bancos, operações internacionais e stablecoins sob supervisão doméstica. Basicamente seria como estar na Europa, Ásia ou Estados Unidos e usar a estrutura bancária regulamentada no Brasil, sem intermediários e 24/7.

O relatório, apresentado pelo deputado Augusto Coutinho, sustenta que a medida alinha o Brasil às melhores práticas internacionais e cria condições para atrair capital externo de forma estruturada e regulada.

O texto altera o marco legal do câmbio ao criar as chamadas Unidades Bancárias Internacionais (UBIs), estruturas que poderão ser estabelecidas por bancos sistemicamente relevantes, mediante autorização do Banco Central.

Essas unidades atenderão exclusivamente clientes não residentes, oferecendo serviços financeiros internacionais a partir do território brasileiro. A inovação central está na combinação de regime fiscal diferenciado, segregação contábil e autorização expressa para o uso de ativos virtuais, incluindo stablecoins, em operações financeiras e cambiais.

Desse modo, o relatório deixa claro que stablecoins são ferramentas, enquanto as UBIs representam a infraestrutura institucional. É justamente esse desenho que abre espaço para que bancos brasileiros concorram com exchanges globais em serviços de custódia, liquidação e negociação institucional de criptoativos, porém dentro de um arcabouço supervisionado pelo Banco Central e pelo Conselho Monetário Nacional.

Revolução no sistema financeiro do Brasil

Segundo Isac Costa, advogado e diretor do Instituto Brasileiro de Inovação e Tecnologia (IBIT), o volume de negociação em crescimento das stablecoins pressiona reguladores a oferecer segurança jurídica sem sufocar a inovação, sob risco de deslocar operações para jurisdições mais flexíveis.

O Art. 11-B do PL permite o uso de ativos virtuais pelas UBIs, o que permite que bancos brasileiros possam competir com exchanges globais, oferecendo custódia e negociação de cripto livres de impostos. O modelo favorece inovações como a tokenização de recebíveis do agronegócio. A UBI converteria esses ativos – já detidos pelos bancos nacionais – em tokens vendidos por stablecoins, garantindo crédito barato ao produtor e liquidez imediata ao investidor estrangeiro, tudo em ambiente isento de impostos na liquidação”, disse.

Costa afirma também que um dos pontos mais sensíveis e estratégicos do texto aprovado está no Artigo 11-B, que autoriza explicitamente o uso de ativos virtuais pelas Unidades Bancárias Internacionais. Isso não transforma stablecoins em instituições financeiras, mas permite que bancos regulados as utilizem como instrumentos operacionais.

De acordo com ele, na prática, stablecoins passam a funcionar como meios de liquidação, transferência e conversão, enquanto a UBI permanece como o sujeito regulado, responsável por compliance, prevenção à lavagem de dinheiro e supervisão prudencial.

O especialista aponta que outra aplicação seria o câmbio 24/7. Multinacionais poderiam transferir capitais fora do horário bancário, convertendo stablecoins globais para pares em Real instantaneamente, com spreads reduzidos. A eficiência tributária seria mantida na estrutura internacional até a efetiva internalização dos recursos na economia doméstica.

Ainda, o modelo viabilizaria o carry trade digital tokenizado, aproveitando os juros reais historicamente elevados do Brasil. Através de notas de crédito digitais, investidores não residentes poderiam depositar stablecoins globais na UBI, que alocaria os recursos em títulos do Tesouro ou derivativos de Selic. A grande vantagem reside na eliminação da burocracia cambial e na isenção de IOF e IR, permitindo que o rendimento seja pago diretamente em criptoativos. Essa dinâmica não apenas atrai capital externo, mas também reforça a demanda por dívida pública federal, alinhando-se ao conceito de ancoragem econômica presente no debate legislativo.

Stablecoins algorítmicas proibidas

Nesse contexto, o PL 2.338/2025 não surge de forma isolada. Ele se soma a outra iniciativa recente do Congresso o PL 4.308/2024, de autoria de Aureo Ribeiro (Solidariedade-RJ) e relatoria de Lucas Ramos (PSB-PE), aprovado na Comissão de Ciência, Tecnologia e Inovação. Ele disciplina de forma específica as stablecoins no Brasil. Embora tenham escopos distintos, os dois projetos se complementam ao desenhar, em conjunto, uma nova arquitetura financeira para o país, ancorada em ativos digitais, segurança jurídica e integração internacional.

O texto do PL 4.308 estabelece como pilar central a obrigatoriedade de lastro integral em moeda fiduciária ou em títulos soberanos emitidos pelo mesmo governo da moeda de referência. A proposta veda explicitamente stablecoins baseadas exclusivamente em mecanismos algorítmicos, eliminando modelos que dependem apenas de incentivos econômicos ou arbitragem de mercado para sustentar paridade de preço. Com isso, o projeto busca reduzir riscos sistêmicos e proteger usuários contra colapsos de liquidez.

Outro avanço relevante é o reforço do regime de segregação patrimonial das reservas. O texto aplica a lógica do patrimônio de afetação, determinando que os ativos que lastreiam as stablecoins não se confundem com o patrimônio da emissora. Essas reservas ficam blindadas contra falência, execuções judiciais ou dívidas da empresa, garantindo que os recursos pertencem, de fato, aos detentores dos ativos digitais.

O PL 4.308 também eleva o nível de transparência e fiscalização ao exigir auditorias externas independentes e verificações periódicas sobre a existência, a qualidade e a suficiência das reservas. Os relatórios deverão ficar à disposição das autoridades supervisoras, reforçando a rastreabilidade e a confiança no sistema. Além disso, o projeto altera o Código Penal para tipificar como fraude a emissão de ativos virtuais referenciados em moeda fiduciária sem o correspondente lastro.

No campo institucional, o texto preserva a competência do Banco Central como principal autoridade reguladora, ao mesmo tempo em que permite flexibilidade para ajustes infralegais por parte do Poder Executivo. Essa abordagem busca equilibrar segurança jurídica e adaptabilidade, reconhecendo a rápida evolução tecnológica do setor de ativos digitais.

Ao disciplinar também a atuação de stablecoins emitidas no exterior, o PL impõe deveres de diligência às prestadoras de serviços de ativos virtuais que operam no Brasil. Exchanges e intermediários passam a ter responsabilidade documental sobre governança, lastro e riscos dos emissores estrangeiros, reduzindo assimetrias regulatórias e mitigando riscos de arbitragem normativa.