A Mordor Intelligence (MI) publicou as estimativas oficiais para o mercado de criptomoedas, que deve alavancar seu crescimento em aproximadamente US$ 8 trilhões até 2030.
Segundo projeções da organização, essa indústria global prevê uma taxa de crescimento anual composta (CAGR), avaliada em impressionantes 30%.
Somente este ano, o mercado de ativos digitais atingiu o marco de US$ 2,9 trilhões, vindo da representação histórica do Bitcoin no setor, que ocupou a fatia de 41% das operações.
Apesar das transformações na indústria global provocadas pelo Bitcoin e a popularização de criptomoedas como Ethereum, Ripple e Cardano, a ‘ofuscação do rastro’ em transações digitais através de mixers e a complexidade dessas manobras tem acendido o alerta em autoridades internacionais.
Embora o mercado de criptomoedas tenha crescido significativamente na região da América do Norte e acelerado no território Ásia-Pacífico, conforme relatório da MI, as preocupações quanto ao uso ilegal das ‘criptos’ em operações envolvendo lavagem de dinheiro não se restrigiram à esses territórios.
Para o advogado especialista em Direito Penal e processos de extradição, Eduardo Maurício, a conversão de fundos ilícitos em ativos digitais varia significativamente de acordo com o território, como retratado nos casos de Portugal, Brasil e Espanha.
“Uma análise dos dados oficiais revela que a razão para a lavagem, ou seja, o crime que gera o dinheiro, varia drasticamente entre os países. Na Espanha, o cenário é dominado pelo narcotráfico, respondendo por impressionantes 42% dos casos, consolidando seu papel como ‘hub’ europeu para a lavagem dos lucros do tráfico. No Brasil, observamos uma mudança histórica: o tráfico de drogas, com 37,4%, ultrapassou a corrupção (25,0%) como principal crime-fonte, seguido de perto por crimes contra o sistema financeiro (17,8%), que incluem as notórias pirâmides. Em Portugal, os ‘crimes fiscais’ lideram às infrações, com impressionantes 64,7% dos casos”, explica.
Criptomoedas
Os dados divulgados cruzam informações do COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), a Procuradoria-Geral da República (PGR) de Portugal e o Servicio Ejecutivo de la Comisión de Prevención del Blanqueo de Capitales e Infracciones Monetarias (SEPBLAC), com relação aos “Três principais crimes associados à lavagem de dinheiro” nessas federações.
Diante deste cenário, Eduardo explica que as criptomoedas são ferramentas adaptáveis, seja na serventia em larga escala ao narcotráfico, como os casos de Espanha e Brasil; ou na sofisticada evasão fiscal que marca o perfil de Portugal. Com o mercado de ‘criptos’ crescendo exponencialmente, as diferenças legislativas no combate aos crimes, segundo o advogado, residem na filosofia e severidade de cada estado.
“A abordagem em jurisdições como Portugal e Espanha, ditada pela arquitetura da União Europeia e refletida em suas leis (Lei n.º 83/2017 e Lei n.º 10/2010, respectivamente), é eminentemente preventiva e sistêmica. O cerne de suas legislações está na imposição de um robusto ecossistema de conformidade, detalhando exaustivamente os deveres de diligência (normal, simplificada e reforçada), controle interno e avaliação de risco para uma vasta gama de ‘entidades obrigadas’. A mensagem é construir um ambiente de transparência e vigilância que sufoque a lavagem de dinheiro na origem, tornando o sistema hostil à operações anônimas antes que elas se consumam”, afirma.
Em contrapartida, Eduardo explica que a abordagem brasileira avançou durante o ‘Marco Legal das Criptomoedas’ (Lei 14.478/22), que regulou o mercado e promoveu alterações penais de alto impacto. Além das alterações na Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei nº 9.613/98), que prevê um aumento de pena específico para a prática com o uso de criptoativos; o advogado ainda destaca a criação do crime de ‘estelionato com ativos virtuais’, estabelecido pelo Código Penal.
“Os sistemas de justiça desses três países estão se adaptando sobre três pilares fundamentais: especialização, tecnologia e cooperação. Na Europa, Portugal e Espanha se beneficiam da arquitetura da UE (União Europeia), com cooperação policial e judicial ágil via Europol e Eurojust; além da especialização de órgãos como a Audiência Nacional Espanhola (que centraliza o julgamento dos crimes mais complexos). O Brasil segue essa mesma trilha, mas com inovações domésticas notáveis. A articulação estratégica é feita pela ENCCLA, que funciona como o cérebro da política de combate. No campo prático, a Polícia Federal lidera as investigações com alta capacidade técnica, e o Poder Judiciário desenvolve ferramentas próprias, como o sistema "Criptojud", criado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para facilitar o rastreamento e o bloqueio de ativos digitais diretamente pelos magistrados”, revela.
Casos famosos envolvendo ‘lavagem de dinheiro’ com criptoativos
A título de exemplo, Eduardo lista alguns casos emblemáticos que aprofundam o entendimento e a materialização dos riscos desses crimes. Começando pelo Brasil, o advogado recorda o case da CPI das Pirâmides Financeiras, em 2023, que investigou cerca de 40 organizações. Sob a promessa de lucros fáceis com criptoativos, as empresas fraudulentas movimentaram cerca de R$ 95 bilhões, lesando milhares de investidores.
Mestre em Direito pela Universidade de Coimbra e doutorando pela Universidade de Salamanca, Eduardo ainda relembra o caso Arbistar, na Espanha. Na ocasião, a fraude de fachada tecnológica, liderado por Santiago Fuentes, lesou cerca de 32 mil investidores, em um rombo de aproximadamente 600 milhões de euros.
Em Portugal, a Operação Strongbox expôs outro modelo de lavagem de dinheiro, desta vez, como um serviço profissional que “limpava” fundos para diversos grupos criminosos na União Europeia, resultando em uma movimentação anual ilícita de milhões de euros. “Estes casos demonstram como, na Península Ibérica, a criptomoeda é a ferramenta preferencial para fraudes internacionais e para a profissionalização do branqueamento de capitais”, conclui Eduardo.