Resumo da notícia

  • Banco Central quer alinhar regras de cripto aos padrões de Basileia.

  • Consulta pública abre debate sobre stablecoins, tokens e DLT.

  • Propostas entram em vigor entre 2026 e 2027, com fase de transição.

O Banco Central do Brasil (BCB) abriu nesta terça-feira (29) a Consulta Pública nº 126/2025, que propõe um novo marco prudencial para as instituições financeiras expostas a Bitcoin, ativos virtuais e tokens.

A iniciativa, segundo o BC, busca criar critérios técnicos para o tratamento de riscos, classificação e exigência de capital de bancos e instituições que lidam com criptoativos.

Segundo o documento, a consulta apresenta minutas de resoluções do Conselho Monetário Nacional (CMN) e do próprio Banco Central, que estabelecem parâmetros para a classificação e o tratamento prudencial dessas exposições, além de diretrizes para o gerenciamento contínuo de riscos ligados à negociação e custódia de ativos digitais.

O texto reconhece o avanço das tecnologias de registro distribuído (DLT) e o crescimento das finanças descentralizadas. Inspirado nas recomendações do Comitê de Basileia (BCBS) e do Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Central propõe harmonizar as regras brasileiras com os padrões internacionais, garantindo estabilidade financeira e segurança para o sistema.

A minuta sugere que, além dos ativos virtuais definidos na Lei nº 14.478/2022, também sejam abrangidos tokens de utilidade, tokens de instrumentos financeiros e tokens de bens móveis e imóveis, ampliando o escopo regulatório. Essa inclusão pretende alinhar o Brasil à prática internacional e evitar brechas regulatórias em casos de tokenização de ativos tradicionais.

Classificação e tratamento de risco

O Banco Central propõe dividir os ativos digitais em quatro categorias prudenciais, conforme o modelo de Basileia:

  • Subgrupo 1A: ativos tradicionais tokenizados;

  • Subgrupo 1B: stablecoins lastreadas;

  • Subgrupo 2A: ativos que não cumprem os critérios dos anteriores, mas podem ser usados para hedge;

  • Subgrupo 2B: demais criptoativos, incluindo os sem lastro ou baseados em algoritmos.

A regra prevê ainda que instituições do Segmento 5 (S5) e Tipo 2 fiquem impedidas de operar com criptoativos, por não possuírem estrutura compatível com os riscos envolvidos. A norma também determina que os bancos comuniquem previamente ao BC todas as aquisições de ativos virtuais e mantenham registros por, no mínimo, cinco anos.

De forma objetiva, instituições financeiras e demais entidades autorizadas a funcionar pelo Banco Central, não pode ter 100% (ou mesmo uma grande parte) do seu capital em Bitcoin. Isso se deve às exigências prudenciais e de capital previstas no novo marco para exposições a criptoativos.

Não pode ter 100% de reservas em Bitcoin

Segundo o edital, o Bitcoin e outras criptomoedas voláteis, sem mecanismos de estabilização (como as stablecoins), seriam enquadradas nas categorias de maior risco prudencial, o Grupo 2. Dentro dele, o Bitcoin pode ser classificado como Subgrupo 2A, se atender a critérios de liquidez e capitalização de mercado, ou Subgrupo 2B, o mais arriscado de todos.

Para estar no Subgrupo 2A, por exemplo, o ativo deve ter capitalização de mercado média superior a R$ 50 bilhões e volume diário negociado acima de R$ 250 milhões nos últimos 12 meses. Ainda assim, o risco permanece elevado, exigindo um controle rigoroso.

O artigo 19 da minuta estabelece um limite máximo de exposição para esses ativos. Caso o total agregado de criptoativos classificados no Grupo 2 ultrapasse 1% do capital principal (Nível I do PR) da instituição, todas essas exposições passam automaticamente a ser tratadas como pertencentes ao Subgrupo 2B.

Essa regra funciona como uma trava prudencial: quanto maior o risco, maior a exigência de capital. E, no caso do Bitcoin, o custo torna-se rapidamente proibitivo.

As exposições classificadas no Subgrupo 2B exigem uma reserva de capital chamada RWA2B, calculada multiplicando o valor da exposição por um fator de 12,5.

Em outras palavras, para cada R$ 1,00 investido em Bitcoin, a instituição precisaria manter R$ 12,50 em capital regulatório. Isso torna inviável qualquer estratégia que busque concentrar parte relevante do patrimônio nesse tipo de ativo.

Assim, mesmo sem uma proibição explícita, o Banco Central cria uma barreira econômica que torna impossível, na prática, que instituições reguladas mantenham grandes posições em Bitcoin.

A exigência de capital é tão alta que funciona como uma restrição prudencial implícita, refletindo a visão do regulador: criptoativos como o Bitcoin devem permanecer à margem das carteiras principais das instituições financeiras, sendo tratados como ativos de alto risco e sem equivalência com instrumentos financeiros tradicionais.

Assim, o recado do Banco Central é que não há espaço para exposição elevada a Bitcoin dentro do sistema financeiro regulado.

Méliuz e OranjeBTC

Caso a Consulta Pública seja publicada e se torne norma da forma como foi publicada, ela não afetaria as duas principais empresas de reservas de Bitcoin do Brasil, a Méliuz e a OranjeBTC.

Isso ocorre, pois a regra do BC se aplica somente as instituições reguladas pelo Banco Central, e nenhuma das duas empresas atualmente são reguladas pelo BC. Em outubro de 2023, o Banco Central informou aprovação da transferência de controle da empresa Acesso Soluções de Pagamentos S.A., que é uma instituição de pagamentos e era vinculada à Méliuz (mas a Acesso foi vendida para o Banco BV naquele ano)

Para se ter uma ideia da nova regra do BC, para cada BTC que a Méliuz tem, por exemplo, ela teria que ter R$ 4.459.866.150 em capital regulatório. Como a Méliuz tem atualmente mais de 600 Bitcoins, pelas novas regras ela teria que ter 2.044.105.318,75 em capital regulatório.

Entrada em vigor e contribuições

A nova regulamentação entrará em vigor em 1º de julho de 2026, com transição até 1º de janeiro de 2027. O público poderá enviar sugestões até 30 de janeiro de 2026 por meio do portal Participa + Brasil e do site oficial do Banco Central.

De acordo com o diretor substituto de Regulação, Paulo Picchetti, o objetivo da consulta é aumentar a previsibilidade e a transparência das normas prudenciais sobre criptoativos, reforçando o compromisso da autoridade monetária com a inovação responsável e a segurança do sistema financeiro.