Principais pontos:
A pressão do presidente Donald Trump por cortes agressivos nas taxas de juros pode desencadear um salto da inflação, enfraquecer o dólar e desestabilizar o mercado de títulos de longo prazo.
Mesmo sem cortes, a política comercial e a expansão fiscal provavelmente continuarão a pressionar os preços para cima.
O Bitcoin tende a se beneficiar em ambos os cenários, seja como proteção contra a inflação em um ambiente de cortes rápidos, seja como reserva de valor de longo prazo, à medida que a credibilidade macro dos EUA se deteriora silenciosamente.
A economia dos EUA pode estar crescendo no papel, mas o estresse subjacente torna-se cada vez mais difícil de ignorar, uma tensão que agora está em foco no simpósio de Jackson Hole do Federal Reserve. O dólar americano já caiu mais de 10% desde janeiro, a inflação do núcleo do PCE segue presa em 2,8% e o PPI de julho disparou 0,9%, triplicando as expectativas.
Nesse cenário, os rendimentos dos Treasurys de 10 anos, mantidos em 4,33%, parecem cada vez mais frágeis diante de uma dívida de US$ 37 trilhões. A questão das taxas de juros ganhou o centro do debate econômico nacional.
O presidente Donald Trump pressiona abertamente o presidente do Fed, Jerome Powell, a cortar os juros em até 300 pontos-base, levando-os para a faixa de 1,25% a 1,5%. Se o Fed ceder, a economia será inundada de dinheiro barato, os ativos de risco dispararão e a inflação acelerará. Se resistir, os efeitos das tarifas em alta e do choque fiscal causado pela aprovação recente da ‘Big Beautiful Bill’ ainda podem empurrar a inflação para cima.
De qualquer forma, os EUA parecem trancados em uma trajetória inflacionária. A diferença estará apenas na velocidade e intensidade do ajuste, e no impacto disso sobre o preço do Bitcoin.
E se Trump forçar cortes no Fed?
Caso o Fed ceda à pressão política já em setembro ou outubro, as consequências podem se desenrolar rapidamente.
A inflação do núcleo do PCE pode subir dos atuais 2,8% para acima de 4% em 2026 (para comparação, os cortes pós-COVID e os estímulos levaram o PCE a 5,3% em fevereiro de 2022). Um novo surto inflacionário provavelmente arrastaria o dólar ainda mais para baixo, possivelmente levando o DXY abaixo de 90.
O afrouxamento monetário reduziria temporariamente os rendimentos dos Treasurys para perto de 4%, mas, com a alta das expectativas de inflação e a saída de compradores estrangeiros, os rendimentos poderiam saltar para além de 5,5%. Segundo o Financial Times, muitos estrategistas alertam que esse movimento poderia quebrar de vez o mercado de títulos.
As consequências fiscais seriam imediatas: os pagamentos de juros da dívida dos EUA poderiam saltar de cerca de US$ 1,4 trilhão para até US$ 2 trilhões, algo próximo de 6% do PIB até 2026, desencadeando uma crise de serviço da dívida e pressionando ainda mais o dólar.
Mais perigoso ainda seria a possível politização do Fed. Se Trump encontrar uma forma de forçar a saída de Powell e indicar um presidente mais submisso, os mercados poderiam perder a confiança na independência da política monetária dos EUA. Como escreveu a colunista Rana Foroohar no FT:
“Há uma vasta literatura mostrando que, quando se mina o Estado de direito da forma que o presidente faz com essas ameaças injustificadas a Powell, no fim se eleva, e não reduz, o custo de empréstimos e se restringe o investimento na economia.”
Ela citou a Turquia como exemplo, onde uma intervenção no banco central levou ao colapso do mercado e a uma inflação de 35%.
Se o Fed mantiver os juros
Manter as taxas de política monetária pode parecer a opção mais responsável, ajudando a preservar a credibilidade institucional do Fed. Mas isso não pouparia a economia da inflação.
Duas forças já estão pressionando os preços: as tarifas e a ‘Big Beautiful Bill’.
Os efeitos das tarifas já aparecem em indicadores-chave. O PMI composto dos EUA, medido pela S&P Global, subiu para 54,6 em julho, o maior desde dezembro, enquanto os preços de insumos para serviços saltaram de 59,7 para 61,4. Quase dois terços dos fabricantes atribuíram custos mais altos às tarifas. Como disse Chris Williamson, economista-chefe da S&P Global:
“O aumento nos preços de venda de bens e serviços em julho, um dos maiores dos últimos três anos, sugere que a inflação ao consumidor vai subir ainda mais acima da meta de 2% do Fed.”
Os efeitos da ‘Big Beautiful Bill’ ainda não foram sentidos totalmente, mas os alertas já crescem sobre sua combinação de aumento de gastos e cortes generalizados de impostos. No início de julho, o FMI afirmou que a lei “contraria os esforços de redução da dívida federal no médio prazo” e que suas medidas deficitárias arriscam desestabilizar as finanças públicas.
Nesse cenário, mesmo sem cortes imediatos, a inflação do núcleo do PCE pode subir gradualmente para 3,0%–3,2%. Os rendimentos dos Treasurys de 10 anos provavelmente aumentariam de forma mais lenta, chegando a 4,7% até o próximo verão. Os custos de juros da dívida subiriam para cerca de US$ 1,6 trilhão, ou 4,5% do PIB elevados, mas ainda não catastróficos. O DXY poderia continuar caindo, com o Morgan Stanley projetando que poderia chegar a 91 até meados de 2026.
Mesmo nesse desfecho mais moderado, o Fed não sai ileso. O debate sobre tarifas está dividindo os formuladores de políticas. Por exemplo, o governador Chris Waller, visto como possível novo presidente do Fed, apoia cortes de juros. O estrategista do Macquarie, Thierry Wizman, alertou recentemente que tais divisões dentro do FOMC poderiam se transformar em blocos politicamente motivados, enfraquecendo a determinação do Fed em combater a inflação e eventualmente inclinando ainda mais a curva de rendimentos.
O impacto do cenário macroeconômico no Bitcoin
No primeiro cenário cortes acentuados, inflação elevada e um dólar em colapso, o Bitcoin provavelmente dispararia imediatamente, ao lado das ações e do ouro. Com taxas de juros reais negativas e a independência do Fed em questão, as criptomoedas poderiam se tornar uma reserva de valor preferida.
No segundo cenário, a alta seria mais lenta. O Bitcoin poderia se manter lateral até o final de 2025, até que as expectativas de inflação acompanhem a realidade no próximo ano. No entanto, à medida que o dólar continua a enfraquecer e os déficits se acumulam, os ativos não soberanos ganharão apelo gradualmente. A proposta de valor do Bitcoin se consolidaria não como uma aposta em tecnologia, mas como um hedge contra risco sistêmico.
As expectativas por um corte de juros continuam a crescer, mas, com ou sem a adesão do Fed no outono, os EUA estão em rota de colisão com a inflação. O estímulo fiscal agressivo e a política comercial de Trump garantem que a pressão de alta nos preços já esteja incorporada ao sistema. Independentemente do Fed cortar as taxas em breve ou não, o caminho à frente pode ser difícil para o dólar e a dívida de longo prazo, e o Bitcoin não está apenas acompanhando, mas pode ser o único veículo construído para essa estrada.
Este artigo não contém aconselhamento ou recomendações de investimento. Todo movimento de investimento e negociação envolve riscos, e os leitores devem realizar suas próprias pesquisas ao tomar uma decisão.