O debate sobre a regulamentação dos esportes eletrônicos no Brasil ganhou força nos últimos anos, mas ainda enfrenta obstáculos que impedem seu avanço. O Projeto de Lei 70/2022, que visa reconhecer os eSports como modalidade esportiva e estabelecer diretrizes para sua organização, completou dois anos sem aprovação na Câmara dos Deputados.
Enquanto isso, o setor continua crescendo exponencialmente, sem um arcabouço jurídico específico que proteja jogadores, organizadores de eventos e investidores.
O que diz o Projeto de Lei 70/2022?
De autoria do deputado Fausto Pinato (PP-SP), o PL 70/2022 propõe que os eSports sejam reconhecidos oficialmente como uma modalidade esportiva. Isso significaria que os jogadores profissionais teriam o status de atletas, podendo se beneficiar de incentivos governamentais e acesso a políticas públicas de apoio ao esporte.
Além disso, o projeto estabelece diretrizes para competições, regulamentação de contratos entre jogadores e organizações.
Ademais de garantir maior segurança jurídica para patrocinadores e investidores do setor. Contudo, a proposta ainda aguarda parecer na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ), onde está sob relatoria do deputado Kim Kataguiri (UNIÃO-SP).
O surgimento de um projeto concorrente para regulamentar os eSports
Paralelamente ao PL 70/2022, foi apresentado o Projeto de Lei 205/2023, elaborado pelos deputados Julio Cesar Ribeiro (Republicanos-DF) e Coronel Chrisóstomo (PL-RO).
A principal diferença entre os dois projetos é que o PL 205/2023 estabelece restrições sobre quais tipos de jogos podem ser considerados eSports. Pela proposta, não seriam reconhecidos os jogos que contenham “conteúdo sexual, que propaguem ódio, preconceito, discriminação ou apologia às drogas”.
Devido à similaridade entre as propostas, o PL 205/2023 foi apensado ao PL 70/2022. Ou seja, ambos estão tramitando juntos. No entanto, a falta de consenso entre os legisladores atrasa o andamento da pauta.
O impasse político e a resistência à regulamentação
A regulamentação dos eSports no Brasil divide opiniões. Alguns parlamentares e setores do esporte tradicional argumentam que os jogos eletrônicos não devem ser considerados uma modalidade esportiva.
A própria ex-ministra do Esporte, Ana Moser, já declarou publicamente que os eSports pertencem mais à indústria do entretenimento do que ao universo esportivo.
Outra preocupação é a inclusão dos eSports em políticas públicas esportivas. Atualmente, esses recursos são destinados a esportes tradicionais como futebol, vôlei e atletismo. Para alguns críticos, a regulamentação poderia desviar investimentos e comprometer modalidades já estabelecidas.
Como outros países lidam com a regulamentação dos eSports?
Enquanto o Brasil enfrenta dificuldades para definir um marco regulatório para os esportes eletrônicos, outros países já possuem legislações específicas para o setor.
Na Coreia do Sul, por exemplo, os eSports são reconhecidos como parte da cultura e do desenvolvimento econômico do país. O governo sul-coreano investe fortemente na formação de jogadores, na criação de ligas estruturadas e no incentivo a empresas que fomentam o setor.
Nos Estados Unidos, as competições de eSports são organizadas de forma independente, sem um órgão regulador centralizado. Porém, com forte suporte da iniciativa privada e um sistema de vistos especial para jogadores estrangeiros.
Em 2013, os EUA começaram a conceder vistos P-1 para jogadores de eSports, classificando-os como atletas profissionais. Facilitando, assim, sua participação em torneios internacionais.
Na França, o governo aprovou uma lei específica para os eSports em 2016. Garantindo direitos trabalhistas aos jogadores e estabelecendo regras claras para contratos, prêmios e realização de competições. Essa legislação ajudou a profissionalizar ainda mais o setor e atraiu mais investimentos para o país.
O impacto da regulamentação dos eSports no Brasil
A regulamentação dos eSports no Brasil poderia trazer benefícios significativos. O reconhecimento oficial abriria portas para incentivos fiscais, inclusão em programas de apoio ao atleta e maior segurança jurídica para investidores e organizadores de eventos.
Além disso, a criação de um marco regulatório ajudaria a evitar práticas abusivas. Garantindo que jogadores tenham contratos justos e condições de trabalho adequadas.
Por outro lado, a falta de regulamentação pode limitar o crescimento do setor. Sem um reconhecimento oficial, empresas e patrocinadores podem hesitar em investir, temendo insegurança jurídica. Além disso, os jogadores ficam vulneráveis a contratos pouco transparentes e ausência de proteção legal em disputas trabalhistas.
O impacto da regulamentação também se estende aos jogadores amadores. Eles poderiam contar com melhores oportunidades de ascensão ao cenário profissional, por exemplo.
Isso facilitaria o surgimento de novos talentos e fortaleceria a competitividade do Brasil nos torneios internacionais.
A resistência da indústria de jogos
Curiosamente, nem todos os interessados no setor apoiam a regulamentação. Algumas desenvolvedoras de jogos preferem que os eSports permaneçam sob o controle das próprias empresas, evitando a interferência governamental.
Para essas companhias, a regulamentação poderia trazer burocracias excessivas. Dificultando, portanto, a organização de competições e a monetização de torneios.
Outro fator relevante é a diversidade de jogos no universo dos eSports. Nos esportes tradicionais, por exemplo, cada modalidade segue regras claras e universais.
Por outro lado, nos eSports cada jogo possui seu próprio conjunto de regras, atualizações constantes e desenvolvedores que detêm os direitos sobre suas competições. Isso torna a regulamentação um desafio. Pois seria difícil criar uma única legislação que abrangesse todos os jogos competitivos de maneira justa e eficiente.
O que esperar para o futuro?
Diante da falta de consenso e dos impasses políticos, a regulamentação dos eSports no Brasil ainda deve levar tempo até a aprovação. No entanto, o crescimento contínuo do setor pode pressionar o Congresso a acelerar a discussão.
A popularidade dos eSports entre os jovens, aliada ao potencial econômico do setor, pode ser um fator decisivo para que os legisladores cheguem finalmente a um acordo. A tendência é que, com o amadurecimento da indústria e a maior conscientização sobre sua relevância, os eSports recebam uma regulamentação mais clara e justa.
Setor de eSports segue crescente, mesmo sem regulamentação
A regulamentação dos eSports no Brasil é um tema complexo, que envolve interesses de diversos setores. Desde jogadores e organizadores até políticos e desenvolvedoras de jogos. Enquanto o PL 70/2022 e o PL 205/2023 seguem sem avanços concretos, o mercado de eSports continua crescendo. Mostrando que a necessidade de um marco regulatório é cada vez maior.
Se aprovada, a regulamentação poderá trazer benefícios significativos. Garantindo direitos para os jogadores e segurança para investidores. No entanto, a resistência de alguns setores e a falta de consenso ainda são barreiras que impedem o avanço dessa legislação. No cenário atual, resta acompanhar os próximos passos do Congresso e entender como o Brasil se posicionará no futuro dos esportes eletrônicos.