A ludopatia (vício em jogos de azar) já começa a deixar rastros no Brasil, provocando até demissão por justa causa.
O impacto agora não é visto só nas contas bancárias dos apostadores, mas também nos departamentos de recursos humanos e nos relatórios do INSS.
Isso porque a ludopatia já resultou em um salto de mais de 2.300% nos pedidos de auxílio-doença concedidos pelo Instituto Nacional do Seguro Social entre 2023 e 2025.
Esses dados impressionantes foram divulgados em uma matéria publicada pelo Intercept Brasil recentemente.
O artigo ainda destaca casos como o de um ex-gerente de banco em São Paulo, que revelam como o vício pode destruir carreiras e expor falhas na legislação trabalhista e na proteção social.
Diagnosticado com compulsão por apostas, ele perdeu o emprego após uma recaída e hoje está afastado pelo INSS.
Sua história, no entanto, está longe de ser uma exceção.
Demissão por ludopatia: uma nova realidade trabalhista
No caso citado acima, o ex-gerente brasileiro de 39 anos começou a apostar por curiosidade.
Ele chegou a transformar R$ 80 em R$ 25 mil no popular jogo do tigrinho. Porém, em vez de sacar, continuou apostando até perder tudo.
Quando voltou ao trabalho após afastamento médico, ainda em tratamento, acabou flagrado tentando acessar plataformas de apostas no celular e acabou demitido por justa causa.
A decisão, contestada na justiça, reacende o debate sobre a legalidade na demissão de um trabalhador acometido por uma doença.
Essa é uma premissa do INSS: a doença impossibilita a pessoa de continuar trabalhando, desenvolvendo seu trabalho da forma correta, e ela precisa se tratar, explica a advogada previdenciária Kelly Campos.
A matéria ainda cita outro caso emblemático, também de um gerente bancário, que desviou R$ 1,5 milhão para sustentar o vício.
Ele acabou internado após tentativa de suicídio, recebeu o auxílio-doença do INSS, mas acabou desligado por justa causa.
Sua defesa argumenta que ele não tinha discernimento pleno no momento dos desvios e deve ser considerado inimputável.
Auxílio-doença por ludopatia dispara no INSS
Segundo dados obtidos pelo Intercept Brasil via Lei de Acesso à Informação, 276 benefícios por ludopatia foram concedidos entre junho de 2023 e abril de 2025.
Portanto, um aumento de 2.300% em relação ao período anterior.
Em 2015, por exemplo, foram apenas dois casos em todo o país.
Hoje, a média já ultrapassa 20 benefícios por mês. A maioria dos afastados são homens entre 18 e 39 anos, com empregos formais.
Isso derruba o mito de que apenas pessoas em situação vulnerável acabam afetadas.
Em 7% dos casos, os beneficiários declararam ter filhos ou dependentes, aumentando o impacto social do transtorno.
Apesar disso, especialistas alertam que o número real de casos é muito maior.
A vergonha, o preconceito e a dificuldade de diagnóstico impedem que muitos trabalhadores busquem o afastamento.
Muitos ludopatas acabam afastados por depressão ou ansiedade, mas não recebem o CID específico da enfermidade, o que distorce os dados.
Tenho certeza que é um número muito baixo perto do que deveria ser, afirma o psicólogo Rafael Ávila.
Empresas não sabem lidar com o problema
Na prática, poucos empregadores sabem como lidar com a ludopatia no ambiente de trabalho.
Embora o artigo 482 da CLT preveja justa causa para ‘prática constante de jogos de azar’, especialistas defendem que isso não se aplica a um transtorno mental diagnosticado.
Ela cita decisões recentes de tribunais trabalhistas que reverteram demissões por justa causa de jogadores compulsivos, reconhecendo o vício como doença.
Mesmo assim, segundo a pesquisadora Larissa Matos, autora do livro ‘Impactos das Apostas Online no Direito do Trabalho’, a maioria dos juízes, advogados e empregadores não estão preparados para tratar a ludopatia como problema de saúde pública.
Falta de políticas públicas agrava o cenário
Apesar de a lei de regulamentação das apostas prever que 1% da receita líquida das casas de apostas vá para ações de saúde mental, o Ministério da Saúde ainda não lançou nenhuma política pública efetiva para prevenir ou tratar a ludopatia.
O grupo interministerial criado para discutir o tema só teve sua primeira reunião em março de 2025.
Enquanto isso, casos como os citados acima se multiplicam.
Demissões por ludopatia escancaram falhas no sistema
A crescente onda de demissões por justa causa ligadas ao vício em apostas online revela uma lacuna legal e institucional grave.
De um lado, empresas punem trabalhadores doentes. De outro, o Estado ainda falha em oferecer tratamento acessível, campanhas de conscientização e respaldo jurídico adequado.
Com os auxílios-doença por ludopatia em alta e os tribunais sendo cada vez mais acionados, o Brasil precisa enfrentar os efeitos colaterais da regulalmentação das bets.
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