Mercados de previsão como Kalshi e Polymarket estão crescendo, gerando bilhões de dólares em volume. Mas alguns observadores estão preocupados com os problemas éticos e os potenciais riscos de crédito apresentados pelas principais plataformas de apostas de previsão.
Na semana passada, a Polymarket registrou um volume nocional de mais de US$ 1,2 bilhão, segundo a Dune Analytics. A gigante da mídia CNBC firmou uma parceria com o mercado de previsão Kalshi para integrar dados de previsões às suas plataformas de TV, digitais e de assinatura.
Impulsionado por esse sucesso, o cofundador da Kalshi, Tarek Mansour, mencionou a criação de “um ativo negociável a partir de qualquer diferença de opinião”, afirmando que os mercados de previsão em breve poderão superar o mercado de ações em tamanho.
Reguladores em algumas jurisdições estão tomando medidas para conter essas atividades. Preocupações com wash trading e insider trading surgiram nas últimas semanas, e alguns analistas acreditam que isso esteja agravando os riscos de crédito.
Mapa da Guerra Russo-Ucraniana é alterado, aposta de mercado de previsão é resolvida
Os mercados de previsão abriram uma série de possibilidades para a realização de apostas sobre eventos. Elas podem variar desde um elemento específico de uma partida esportiva até o resultado de uma guerra. Em alguns casos, isso levou à manipulação por insiders para resolver um mercado de determinada forma.
Foi possivelmente o que aconteceu em novembro, quando o Institute for the Study of War (ISW) anunciou uma edição não autorizada em seu mapa da Guerra Russo-Ucraniana. O mapa é utilizado por veículos de mídia em todo o mundo para acompanhar mudanças nas posições da linha de frente.
A edição envolveu o mapa do ISW de Myrnohrad, onde as tropas ucranianas vêm defendendo a cidade contra a ofensiva russa em Pokrovsk desde julho de 2024. A alteração não autorizada no mapa da cidade coincidiu com a resolução de uma aposta na Polymarket, “A Rússia capturará Myrnohrad até…” seguida por uma série de datas.
A resolução do mercado era acionada caso a Rússia ocupasse um cruzamento entre duas ruas, Vatutina Vulytsya e Puhachova Vulytsya. Segundo a 404 Media, em 15 de novembro, alguém editou o mapa para mostrar que as tropas russas haviam tomado o cruzamento. Apenas alguns minutos após o mercado ser resolvido, a edição desapareceu.
O ISW anunciou a edição não aprovada em 17/11. O instituto observou que “o mapa não representa mudanças no campo de batalha em tempo real, e todos os ajustes feitos durante nosso dia de trabalho estão sujeitos a revisão e alteração ao longo do dia”.
Nesse caso, não apenas conhecimento de insider teria sido usado para manipular dados, como essa manipulação poderia ter afetado a percepção pública de um conflito violento em andamento.
Outros exemplos também surgiram. O trader pseudônimo AlphaRaccoo teria lucrado mais de US$ 1 milhão em apostas relacionadas a rankings de resultados de busca do Google. Ele também teria ganho US$ 150.000 ao prever o dia exato em que o Google lançaria uma nova versão de seu modelo de IA Gemini.
Jeong Haeju, engenheiro de software sênior da Meta, disse: “Ele é um insider do Google explorando a Polymarket para ganhar dinheiro rápido. É uma das coisas mais insanas que já vi na plataforma”.
As acusações de manipulação não se limitam ao insider trading. Um relatório de novembro de pesquisadores da Columbia Business School constatou que o wash trading, isto é, “comprar e vender ativos sem assumir uma posição líquida, com o objetivo de inflar artificialmente o volume registrado”, respondeu por 60% do volume da Polymarket em dezembro de 2024.
Esse percentual caiu de forma significativa, mas voltou a subir para quase 20% do volume total em outubro de 2025 e tem representado uma média de 25% de todas as negociações na Polymarket.
O wash trading “não adiciona liquidez nem informação ao mercado”, afirmou Yash Kanoria, professor da escola de negócios da Universidade Columbia. Isso é especialmente relevante, diante das alegações de que os mercados de previsão oferecem análises mais precisas e dinâmicas de uma situação.
Jason Wingard, professor visitante distinto da Universidade Harvard e presidente executivo do Education Board, escreveu que os mercados de previsão criam um “‘sinal de verdade’ que se move mais rápido do que pesquisas, comentaristas ou relatórios oficiais. Quando milhares de pessoas estão dispostas a perder dinheiro com base no que acreditam que vai acontecer, o resultado é uma previsão dinâmica de desfechos políticos, decisões corporativas, tendências econômicas e mudanças culturais”.
Disputas regulatórias à medida que mercados de previsão avaliam novos ativos
As plataformas de previsão conquistaram aprovações regulatórias importantes neste ano. Em novembro, a Polymarket obteve aprovação regulatória da Commodity Futures Trading Commission (CFTC), dos Estados Unidos, para operar uma plataforma de negociação intermediada.
O fundador e CEO da Polymarket, Shayne Coplan, afirmou: “Essa aprovação nos permite operar de uma forma que reflete a maturidade e a transparência que o arcabouço regulatório dos EUA exige”.
A Kalshi também é regulamentada pela CFTC, o que significa que, em teoria, deveria ter permissão para operar nos 50 estados.
No entanto, reguladores estaduais têm questionado essas plataformas. A Kalshi enfrenta atualmente disputas judiciais com órgãos reguladores de jogos em Nevada, Nova Jersey, Nova York, Massachusetts, Maryland e Ohio sobre se sua plataforma constitui ou não uma empresa de apostas.
Outros veem potencial para riscos aos sistemas financeiro e de crédito. Analistas do Bank of America escreveram: “O acesso fácil e as interfaces gamificadas incentivam apostas frequentes e impulsivas, o que pode levar à ampliação excessiva do crédito e ao aumento da inadimplência de empréstimos”.
“Para os investidores, essa convergência entre entretenimento e finanças especulativas sinaliza um risco comportamental elevado que pode pressionar a qualidade do crédito, aumentar atrasos nos pagamentos e afetar os lucros de emissores e credores subprime.”
Eles afirmaram que esses riscos podem pressionar a qualidade do crédito e que os mercados de apostas on-line “introduzem um novo risco para os credores, algo com o qual eles não lidavam historicamente, e os modelos de concessão de crédito podem precisar ser adaptados”.
O Departamento de Proteção ao Consumidor de Connecticut emitiu ordens de cessar e desistir contra Robinhood, Kalshi e Crypto.com. O órgão afirmou que, além de não possuírem as licenças adequadas para apostas, as plataformas representam “um risco sério para consumidores que podem não perceber que as apostas realizadas nessas plataformas ilegais não oferecem qualquer proteção para seu dinheiro ou suas informações”.
O plano de Mansour de transformar “qualquer diferença de opinião” em um ativo negociável pode soar inovador, mas as plataformas de apostas ainda terão de enfrentar a fiscalização regulatória e uma série de questões éticas.