Um movimento regulatório vem se intensificando sobre o ambiente de finanças descentralizadas (DeFi), incluindo até mesmo a realização de procedimentos para identificar os clientes. O Cointelegraph Brasil conversou com porta-vozes das exchanges descentralizadas (DEX) ShapeShift e dYdX sobre a viabilidade e as consequências das ações regulatórias sobre DeFi.

Recomendações do Tesouro

Em 7 de abril, o Tesouro dos Estados Unidos publicou um documento de 42 páginas abordando a regulamentação do ambiente DeFi. Dentro das sugestões da autoridade monetária sobre fortalecer as regras em torno dos serviços descentralizados, foi mencionada a obrigatoriedade de KYC, sigla em inglês para o processo de “Conheça seu Cliente”. 

O KYC consiste em obrigar a plataforma de negociação a realizar um procedimento de identificação do cliente, através do fornecimento de informações pessoais. Em DeFi, porém, os sites das exchanges são meras interfaces, já que o serviço é prestado por contratos inteligentes automatizados. A eficácia das ações regulatórias sobre plataformas descentralizadas, portanto, é questionável.

Além disso, o ambiente DeFi é altamente transparente. Através do endereço de uma carteira, é possível rastrear as interações financeiras das quais o investidor participou, inclusive identificar o saldo em criptoativos do usuário. Identificar a pessoa por trás da carteira pode ser especialmente perigoso.

O Tesouro dos Estados Unidos, no entanto, parece pensar diferente. No relatório publicado, a instituição cita uma matéria publicada pelo CoinDesk sobre a ShapeShift supostamente ter se tornado uma exchange descentralizada para fugir da obrigatoriedade de KYC. O entendimento do Tesouro é que, mesmo assim, a ShapeShift ainda estaria submetida à legislação bancária dos Estados Unidos.

Guiriba, contribuidor da ShapeShift, afirma que a exchange entende o movimento como uma tentativa forçada de adequar o ecossistema DeFi ao sistema financeiro tradicional. “Quanto mais DeFi cresce, mais os reguladores temem que um sistema no qual não tenham poder possa florescer. Tradicionalmente, estamos acostumados a não ter privacidade, mas DeFi mostrou que é possível criar sistemas eficientes e manter o anonimato das pessoas”, diz. 

Embora reconheça a existência de problemas, sem nomeá-los, Guiriba avalia que tais questões são “ínfimas” perto da possibilidade de manter a privacidade financeira dos usuários. “A regulação deve adequar-se as tecnologias vigentes, não o contrário”, acrescenta.

O contribuidor da ShapeShift reconhece, no entanto, que a aplicação de KYC na interface principal das exchanges descentralizadas pode ter um ponto positivo: captação de investimentos. Para Guiriba, os fundos de investimento tradicionais se sentirão mais seguros para investir em projetos assim.

É o caso da exchange descentralizada Mauve, que recebeu US$ 15 milhões do fundo de hedge Brevan Howard e da Coinbase em março deste ano. A Mauve afirma que está alinhada com a obrigatoriedade de KYC, e utiliza o sistema Violet ID, criado especificamente para que plataformas descentralizadas consigam realizar a identificação de seus usuários.

A dYdX é uma exchange descentralizada que ainda estuda qual rumo tomar caso o ecossistema DeFi seja regulamentado, diz Cristopher Andrade, community manager da exchange no Brasil. “A esta ideia está sendo estudada com cuidado, já que a dYdX tem a preocupação em seguir regulamentações e requisitos de conformidade, mas não quer ferir o direito de privacidade dos usuários”, afirma Andrade.

Em sua versão atual, a V3, a dYdX não considera a implementação de KYC, diz Andrade. Durante o desenvolvimento da V4, contudo, os debates envolvendo a implementação de KYC serão prioridade.

Pode ganhar tração?

Os mais otimistas acreditam que os reguladores perceberão que os contratos inteligentes não podem ser regulamentados e desistirão de criar regras para DeFi. Para Guiriba, porém, este não será o caso. Ele acredita que, à medida em que projetos passam a integrar KYC, a tendência se alastrará para mais aplicações do ecossistema descentralizado.

“Contudo, não vejo projetos com alto volume de transação, como Uniswap, Curve e Balancer, integrarem medidas como essa, porque seu público é nativamente Web3”, salienta o porta-voz da ShapeShift. Guiriba avalia que, além de levar segurança jurídica aos investidores, projetos devem também pensar na manutenção da privacidade de seus usuários, que ele classifica como uma ideologia enraizada no ecossistema de criptomoedas.

Cristopher Andrade, da dYdX, concorda que haverá uma crescente nas discussões, e possivelmente nas implementações, envolvendo KYC em aplicações descentralizadas. “Cada vez mais players importantes do mercado estão prestando mais atenção ao mercado DeFi. Por isso, questões como esta ficarão mais frequentes”, conclui Andrade.

Leia mais: