O governador do Banco da Inglaterra (BoE), Andrew Bailey, sugeriu que as stablecoins poderiam reduzir a dependência do Reino Unido dos bancos comerciais, sinalizando uma possível mudança na postura do banco central em relação aos ativos digitais.

Em um artigo publicado na quarta-feira no Financial Times, Bailey disse que o atual sistema financeiro combina a criação de dinheiro e crédito por meio do sistema de reservas fracionárias, no qual os bancos mantêm apenas uma parte dos depósitos e emprestam o restante. O sistema de reservas fracionárias é aquele em que os bancos mantêm apenas uma fração dos depósitos dos clientes em reserva e emprestam o restante, criando assim novo dinheiro por meio da expansão do crédito.

“A maior parte dos ativos que respaldam o dinheiro dos bancos comerciais não é livre de risco: são empréstimos a pessoas físicas e a empresas”, escreveu Bailey no FT. “O sistema não precisa ser organizado dessa forma.”

Bailey disse que é possível, ao menos parcialmente, “separar o dinheiro da concessão de crédito”. Nesse sistema, bancos e stablecoins coexistiriam, enquanto instituições não bancárias assumiriam uma parcela maior do papel de concessão de crédito. Ainda assim, Bailey alertou que “é importante considerar minuciosamente as implicações de tal mudança antes de avançar”.

Sede do Banco da Inglaterra. Fonte: Wikimedia

Reação da indústria às restrições sobre stablecoins

As declarações de Bailey vêm após críticas à postura do Banco da Inglaterra em relação às stablecoins feitas por grupos de defesa da indústria de criptomoedas no Reino Unido. As organizações criticaram um plano do BoE que estabeleceria limites individuais para a posse de stablecoins.

Segundo esses grupos, a implementação do limite seria desafiadora e cara, podendo deixar o Reino Unido atrás de outras jurisdições no campo das stablecoins. Tom Duff Gordon, vice-presidente de políticas internacionais da Coinbase, afirmou que “nenhuma outra grande jurisdição considerou necessário impor limites”.

Ainda assim, as declarações de Bailey podem indicar uma mudança de direção. Ele esclareceu que seu foco está na adoção em massa das stablecoins para pagamentos e liquidações. As stablecoins e criptomoedas atuais, disse ele, ainda não se qualificam.

Stablecoins com contas no Banco da Inglaterra

Em seu artigo no FT, Bailey afirmou que o banco publicará, nos próximos meses, um documento de consulta sobre o regime sistêmico de stablecoins no Reino Unido. Esse novo regime se aplicaria a stablecoins destinadas ao uso como dinheiro, “para pagamentos do dia a dia ou para liquidação de mercados financeiros centrais tokenizados”.

Ele chegou a destacar que “stablecoins amplamente utilizadas no Reino Unido devem ter acesso a contas no [Banco da Inglaterra] para reforçar seu status como dinheiro”. Esse passo, explicou Bailey, é crucial para criar um regime que permita ao Reino Unido colher os benefícios das stablecoins, mantendo a estabilidade financeira.

As observações seguem um alerta de Bailey feito em meados de julho contra a emissão de stablecoins por bancos, dizendo que o BoE deveria focar na tokenização de depósitos. Garantir que stablecoins tenham contas no banco central parece ser uma forma indireta de o BoE tokenizar seus depósitos.

Stablecoins precisam evoluir

Apesar de demonstrar abertura em relação às stablecoins, Bailey observou que algumas características exigem “fiscalização” e que os ativos bancários devem ser livres de risco. Além disso, sugeriu que as stablecoins precisam de seguros contra riscos operacionais, como ataques hackers, bem como termos de troca padronizados.

Ele afirmou ainda que “também deve ser possível haver inovação na forma de dinheiro” e, portanto, “seria errado ser contra as stablecoins”. Em vez disso, ele reconhece seu “potencial para impulsionar a inovação nos sistemas de pagamento”.