Os tokens não-fungíveis (NFTs) vêm assistindo no último ano uma verdadeira explosão, com um crescimento de cerca de 10.000% nas vendas diárias. Embora não sejam exatamente uma novidade (os pioneiros CryptoPunks e CryptoKitties foram lançados ainda em 2017), foi apenas no período dos últimos doze meses que o setor finalmente tomou os holofotes, com projetos se proliferando mais do que nunca e preços crescendo exponencialmente.
Ainda hoje, porém, muitos investidores conhecem bem pouco sobre esse mercado um tanto excêntrico dentro da criptoesfera. Esse desconhecimento se torna um obstáculo à expansão do setor, já que muitos ainda relutam em investir em algo tão difícil de valorar.
Por isso, apresentamos aqui um breve panorama de como esse mercado opera, sua evolução e tendências.
Art NFTs: um setor próprio?
Embora muitos se recusem a chamar de arte coleções como Chromie Squiggle e mesmo os CryptoPunks, essa atitude não é nada diferente do que ocorre na arte há pelo menos cem anos, pelo menos desde a célebre obra "A Fonte" de Marcel Duchamp. Como diferenciar aqueles NFTs que representam a posse de uma obra de arte, separando-os dos NFTs com utilidades em jogos e metaversos; e daqueles que representam outros tipos de direitos?
Apesar da possibilidade de tokenizar a propriedade de obras existentes no mundo físico, ainda faltam aplicações capazes de dar garantias sobre estas. Não faltam artistas do tipo tradicional, como pintores e fotógrafos, transformando suas obras em NFTs, mas ao olharmos para os NFTs mais caros já vendidos, não se encontra qualquer obra não-digital.
Para entender o motivo, deve-se lembrar que o NFT não é a obra em si, mas sim o direito sobre ela. E, com obras do mundo real, existe uma distância inerente entre as coisas. Convenhamos: você se sentiria dono de um quadro pendurado na casa de outra pessoa, só porque um NFT te diz isso?
Com a arte generativa e os smart contracts, esta distância foi abolida. O processo de geração da obra é inseparável da geração do NFT que garante o direito sobre ela. Por mais que todos possam ver sua imagem em sites, você será seu dono incontestável. Por isso, um NFT de uma obra digital em uma carteira funciona de forma análoga a uma tela pendurada em uma parede.
Dessa forma, os NFTs ainda acrescentam à arte tradicional a vantagem de serem à prova de fraude. Se é verdade que boa parte das obras que vemos em museus são falsificações, com a chegada dos NFTs não há qualquer margem para dúvidas.
Apesar disso, não pense que, para criar seu NFT, é preciso ser exatamente um artista: na OpenSea, maior marketplace do setor, o usuário pode transformar qualquer imagem em um NFT gratuitamente. Graças à compatibilidade com Polygon, não é necessário sequer pagar gás para tê-lo em sua carteira. Com essas facilidades, não faltam pessoas transformando todo tipo de imagens em NFTs.
História e evolução
A febre dos NFTs só chegou em 2021, mas a tecnologia por trás dos NFTs está muito longe de ser uma novidade. A ideia já existe ao menos desde o surgimento das Colored Coins, em 2012. Outros pioneiros incluem “Quantum”, de 2014 e o game “Etherea”, de 2015, ambos praticamente desconhecidos até esse ano.
O termo "token não-fungível" só passaria a ser conhecido em 2017, ano em que surge o protocolo ERC-721. Com a ampla compatibilidade de uma grande rede com o Ethereum, o setor começou a decolar de fato. Foi já naquele ano que foram lançados os célebres CryptoPunks, coleção mais valiosa do mercado.
É praticamente impossível falar em NFTs artísticos sem falar dessa coleção. Hoje, os CryptoPunks são negociados em torno dos 400 mil dólares e chegaram até mesmo à Sotheby’s, onde foi vendido o item mais caro da coleção por incríveis 11,754,000 USD.
Em seu lançamento há quatro anos, porém, esses NFTs tiveram sua emissão de forma gratuita: bastava pagar pelo gás do Ethereum, que na época estava longe do preço atual. Trata-se de uma oportunidade que talvez só se compare com a compra de Bitcoin na fase inicial.
A importância dos CryptoPunks dentro dos NFTs de arte é equivalente à do Axie Infinity dentro dos jogos play-to-earn, ou do Bitcoin para a criptoeconomia como um todo. Além de líder de mercado, estabeleceu um modelo a ser seguido por qualquer novo projeto.
Em primeiro lugar, inaugurou a moda de coleções com personagens temáticos. Ao navegar por essas coleções de NFTs hoje o que mais vemos são inúmeras figuras de macacos, gatos, aliens, além, é claro, de várias releituras dos punks.
Outra tradição estabelecida foi o uso de algoritmos de arte generativa para a distribuição de diversos atributos de maior ou menor raridade entre cada NFT. Assim passam a existir NFTs mais ou menos raros, e consequentemente valiosos, em uma coleção.
Por isso, participar da emissão de um novo NFT tem um caráter aleatório: pode-se obter um NFT relativamente banal, mas também um raríssimo. As combinações podem chegar a centenas de milhões dependendo da quantidade de traits colocados no algoritmo, mas as coleções se limitam a uma pequena fração deste número: o mais comum é em torno das 10.000 unidades, mesma quantidade dos CryptoPunks.
Por exemplo: 25% dos CryptoPunks têm como um atributo um brinco, mas apenas 3% possuem óculos 3D, o que faz com que estes sejam negociados a preços acima da média. Não à toa, os Punks mais caros já negociados se tratam de aliens, dos quais há apenas 9 dentre os 10.000 Punks.
CryptoPunks #7804 e #3100, os mais caros negociados na OpenSea, por 4200 ETH ( equivalentes a $7.57M) no dia 11 de março de 2021.
Imagem: larvalabs.com
Panorama
Mesmo tendo crescido com solidez desde então, os NFTs permaneceram relativamente fora dos holofotes, ofuscados pela proliferação de novas blockchains e protocolos DeFi. Foi apenas na virada do último ano - com as necessidades trazidas pela falta de renda na pandemia global - que artistas e investidores parecem ter se dado conta desse setor praticamente inexplorado. Desde então, o mercado assistiu a proliferação massiva de outras obras seguindo os mesmos princípios.
Com valores tão altos sendo praticados, não faltam pessoas e equipes em busca de um lugar na festa. Diariamente, é possível acompanhar o lançamento de dezenas de projetos com preços que variam entre dezenas e centenas de dólares por ítem. Para o tamanho usual de 10.000 ítens em uma coleção, um lançamento pode render valores milionários a seus criadores, mudança drástica de panorama desde que os CryptoPunks foram gerados gratuitamente há 4 anos.
A grande maioria das coleções não aparenta tanto potencial, tratando-se de releituras (ou cópias) de projetos bem sucedidos, geralmente envolvendo NFTs dos mais variados. Embora seja difícil cravar quais, no meio de tantos, poderão chegar à casa dos milhares de dólares, é possível descobrir diversas coleções com ideias mais interessantes e equipes mais focadas no sucesso de longo prazo caso o investidor se aprofunde na pesquisa.
Sites como o CryptoSlam e a própria OpenSea permitem acompanhar o desempenho das principais coleções enquanto canais e perfis em diversas redes, como o NFT Hub no Discord.
Mas não faltam também projetos se utilizam da arte generativa para a geração de obras mais abstratas, fugindo dos clássicos personagens. Dentre esses projetos se destaca, tanto pelos preços quanto pela arte em si, o Fidenza. Trata-se de um algoritmo de arte generativa criado pelo artista americano Tyler Hobbs.
Chama atenção a imensa variedade das obras dessa coleção, e como cada um dos ítens se mostra digno de qualquer museu de arte moderna. Como expoente máximo desse estilo, Fidenza chegou a ter obras negociadas por milhões. O projeto foi lançado na plataforma ArtBlocks, que além desta, hospeda outras das mais impressionantes coleções do mercado.
Fora do domínio das coleções de arte generativa, se destacam as obras de Bipple, como é conhecido Mike Winkelman, outro artista americano. É de sua autoria o NFT mais caro já vendido, a obra “Everydays: The First 5000 days”.
“Everydays: The First 5000 days”, obra de Beeple vendida por US$ 69 milhões em leilão pela Christie’s em 11 de março de 2021, maior preço já alcançado por um NFT.
Imagem: Christie's
Fragilidades
Um obstáculo ao maior investimento em NFTs é que investidores do mercado financeiro tradicional podem não estar familiarizados com a forma como um mercado de arte opera. Ao olhar para o preço de um Crypto Punk e em seguida para a imagem, o investimento não parece nem um pouco seguro.
Como reserva de valor, esses NFTs tampouco transmitem muita segurança. O preço depende de um consenso no mercado com bases bem pouco sólidas. À exceção de uns poucos projetos, não existem os fluxos de receita ou as utilidades que permitem valorar tokens “tradicionais”. E tampouco possuem a mesma liquidez desses.
Grandes investidores podem carregar sozinhos o preço de coleções, chamando atenção do público para essas. E não é muito além disso o que diferencia projetos bem sucedidos daqueles que não decolam. Por isso, é comum que as obras mais valorizadas não sejam necessariamente as que você consideraria mais belas, como aliás sempre foi a regra no mercado de arte tradicional.
Os mais prudentes observam que momentos de pânico poderiam levar a zero coleções multimilionárias. O mercado, porém, tem surpreendido pela solidez cada vez maior que tem demonstrado: mesmo em setembro, enquanto altcoins assistiam decrescimentos de dois dígitos, o setor seguia seu crescimento explosivo alheio a tudo que se passava. Resta saber se, no futuro, continuarão se comportando assim.
Gráfico: CryptoSlam
Tendências
Apesar de o padrão de arte generativa ser, em geral, o mesmo estabelecido pelo CryptoPunks, algumas funcionalidades extra vêm sendo agregadas em volume cada vez maior. Para justificar os valores relativamente altos cobrados por ativos não muito seguros, novos projetos têm oferecido diversos agrados aos holders.
O Bored Ape Yacht Club (BAYC) fez sucesso ao dar acesso a um clube virtual exclusivo com seus próprios minigames. Outros projetos oferecem airdrops de lançamentos futuros da equipe, opções de stake e até concursos de beleza. Os próprios CryptoPunks devem começar a aparecer em produtos midiáticos, podendo gerar royalties para seus detentores.
Outra tendência, já mais consistente, é o encontro entre NFTs de arte e de games, bebendo na fonte de Cryptokitties e do próprio BAYC. Jogos play-to-earn em desenvolvimento como Avarik Saga buscam tornar sua coleção de NFTs em personagens únicos de um jogo e Galaxy Fight Club vai além, prometendo integrar diversos projetos em uma espécie de Super Smash Bros de projetos de NFTs.
O que se pode esperar no futuro é, também, uma convergência maior entre NFTs de arte e NFTs ligados a royalties. Essa última face dos NFTs é, sem dúvidas, ainda a menos explorada, e aquela que talvez tenha o maior potencial. Será que em breve poderemos ver um projeto como Ethereum Towers, mas em que são transacionados apartamentos reais?
Conclusão
NFTs de arte são investimentos extremamente difíceis - há quem diga que são quase impossíveis - de valorar adequadamente. Ainda que alguns proporcionem um fluxo de caixa ou utilidades diversas, este ainda é um fator marginal na composição do preço, enquanto a história do projeto ou a própria beleza intrínseca são fatores que tendem a se sobrepor. A liquidez também não é um ponto forte nesse mercado. Portanto, ao adentrar esse meio com o objetivo de lucros rápidos, é preciso ter cautela. Para cada projeto cujo valor explodiu, muitos outros derretem por completo, às vezes sequer chegando ao mercado.
É recomendável buscar boas funcionalidades (os melhores projetos nesse aspecto vêm acompanhados de um roadmap detalhado), uma proposta original (é recomendável evitar coleções que não passam de variações de outras já existentes) e um time que demonstre engajamento contínuo (muitos desejam apenas lucrar com os mints para sumir em seguida).
E, se possível, busque também alguma beleza. Com alguma abstração, é possível pensar em sua carteira como a parede de sua sala. Você não compra quadros para sua sala apenas pensando no preço de revenda, compra? Assim, na pior das hipóteses, mesmo que seu investimento não seja bem-sucedido, ao menos você ao menos terá algo bonito. E isso já é mais do que a maioria dos investimentos proporciona.
O conteúdo deste texto é de responsabilidade exclusiva do autor. O Cointelegraph não endossa nenhuma recomendação de investimento, os investidores devem conduzir sua própria pesquisa antes de tomar uma decisão.
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