Em cerca de uma década, os chamados jogos hipercasuais se tornaram em um dos principais segmentos da indústria, com projeções para que ganhe ainda mais espaço nos próximos anos. Caracterizados pela dinâmica simples e viciante, esses games se apoiaram na popularização dos smartphones para oferecer a massas muitas vezes estranhas à indústria tradicional doses rápidas de entretenimento em qualquer lugar.

Já o mercado cripto começou a atrair a atenção de produtores principalmente a partir de 2021, quando a ideia do play-to-earn, isto é, ganhar dinheiro ao jogar se popularizou através de games como Axie Infinity. Desde então, a indústria foi rapidamente por games feitos às pressas tentando embarcar na onda especulativa do ano passado. 

Em 2021, vimos companhias concentrarem seus esforços nos gêneros de RPGs e cartas, mais facilmente adaptáveis a uma estrutura com NFTs como ativos para jogar e tokens como moedas do jogo. Agora em 2022, entretanto, começamos a ver finalmente cada vez mais os games hipercasuais ocuparem sua fatia desse mercado.

Panorama

Atualmente, a plataforma de games Gameta aparece como o app de games mais utilizado da Web3 nos últimos 30 dias, segundo o site DappRadar. Outros 4 apps associados a games hipercasuais completam o Top 10: o par Solitaire Blitz e Trickshot Blitz, ambos na plataforma Joyride, projeto na Flow Blockchain, que aposta também em atrair criadores de conteúdo; Benji Bananas, em que NFTs são necessários para acessar receber tokens play-to-earn, mas não para jogar; e Arc8, plataforma pioneira do gênero em cripto.

Fonte: Dapp Radar

Esse crescimento da participação dos games hipercasuais na Web3 pode ser explicado principalmente pela derrocada do modelo do play-to-earn, em que jogos cripto ofereciam a expectativa de ser forma de trabalho. O crash do mercado a partir do final de 2021 provocou a queda espetacular do valor das moedas desses jogos, mas também chamou atenção para as limitações desse modelo, à medida em que se mostrou até aqui basicamente uma estrutura de pirâmide, dependente da entrada de novos usuários e pagando jogadores à base de inflação.

Conforme os RPGs e jogos de cartas complexos (mas longe de serem bem feitos) passaram a ser abandonados quando deixaram de oferecer renda relevante, jogos casuais passaram a ocupar uma fatia maior do setor. Não se tratam aqui de games que prometem ao jogador uma renda equivalente ao salário médio em países pobres, mas sim pequenas recompensas monetárias. 

Potencial 

Dito isso, uma questão que fica é se podemos pensar em um casamento desses games hipercasuais com o modelo play to earn que predomina na Web3. Para isso seria necessário distribuir valor para os usuários a partir das fontes de receita tradicionais do segmento, validados pelo gênero em cerca de dez anos na Web2.

Dentre esses, se destacam a receita com publicidade e as compras pelos próprios jogadores em upgrades e skins, que já exigem maior popularização e engajamento. O mais renomado dos games hipercasuais, Angry Birds, foi além e ainda demonstrou o potencial de grandes receitas com o estabelecimento de uma marca registrada. O mesmo game chegou a organizar torneios pagos, oferecendo uma perspectiva de profissionalização de jogadores.

Além disso, um trunfo desses jogos em relação a outros gêneros na Web3 vem sendo o baixo custo de entrada, já que os NFTs são disponibilizados pelas companhias por poucos dólares, ou mesmo gratuitamente. Com isso, podem atrair para a Web3 um público que até então vinha sendo excluído pelos altos custos de entrada de outros jogos, já que focam em experiências baratas nas quais o jogador arrisca o retorno em uma mecânica relativamente viciante.

Por fim, outra vantagem da Web3 explorada pelas companhias do segmento é como forma de marketing. Enquanto na Web2, o setor é marcado por altos custos de aquisição do usuário e pela dificuldade de se destacar em meio a milhares de produtos similares, a integração de criptomoedas no game por si só pode ser uma forma interessante de chamar atenção.

Limitações 

Apesar do sucesso desse gênero na Web2, resta ainda saber se alcançará a mesma popularidade em cripto. Usuários nativos da Web3 se acostumaram com games prometendo recompensas agressivas, enquanto games casais apostam em pequenos prêmios, utilizados para turbinar ainda mais o componente viciante dos produtos.

Em geral, companhias garantem a conversão dessas moedas a uma taxa fixa e tentam assegurar que os saques contra ela não superem sua receita. Portanto, não sobra espaço para o jogador médio fazer do game uma fonte de renda, embora alguns usuários “fora da curva” possam obter prêmios maiores.

Essa abordagem é bem diferente daquela dos games "tradicionais", que em geral migram para a Web3 com o discurso de distribuição dos ativos para os usuários e a promoção dos games como fonte de renda. Nos games hipercasuais, a discussão sobre controle dos ativos pelos jogadores tem sido deixada em escanteio, e o que temos visto são carteiras off-chain sob gestão das próprias companhias, e mercados de NFTs restritos ou inexistentes.

Apesar de ser um gênero bem sucedido na Web2, as companhias do segmento não parecem ter muito a ganhar migrando para um autêntico modelo descentralizado, o que significa abrir mão do controle de ativos (e receitas) dos produtos.

Considerações finais 

Conforme vimos, o crescimento dos games hipercasuais na Web3 parece ligado ao crash dos jogos "tradicionais" em cripto, e à fuga do mercado relativamente saturado da Web2. Em geral, nesse segmento a Web3 não vem sendo utilizada com a mesma filosofia de descentralização e abertura de mercados que marca outros games e projetos em geral. 

A tecnologia blockchain, contudo, tem se mostrado como uma forma inovadora de captar pagamentos e distribuir recompensas instantaneamente entre companhias e jogadores ao redor do mundo, além de uma certa forma de publicidade. 

Se, por um lado, o gênero não parece estar aproveitando plenamente o potencial da Web3, por outro, está cumprindo um papel interessante ao abrir espaço para novos modelos para games em cripto.

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